"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O Que Posso Dizer

O que posso dizer sobre mim mesmo
A não ser que sou o conjunto de
Todos os medos que me compõem,
De todos os erros que me movem
E que me param,
E que parado estou mais errado
Do que nunca.

Posso dizer que acerto também,
Nem sempre na mosca,
Que sou destemido também,
Mas não a toda hora.

Posso dizer que não sou agiota
De sentimentos e emoções,
Pois os entrego sempre
Sem nada cobrar de volta.

Posso dizer que me importo
Com pessoas desimportantes
E que isso me faz mal.

Posso dizer que me autoflagelo
Por coisas que não valem a pena
E que isso dói muito.

Posso dizer que amo alguém
E que existe um Himalaia de silêncio

Entre nós.

Posso dizer que meus amigos me completam.
Mesmo os invisíveis.

Posso dizer que minha família é nota 10.

Posso dizer que a nostalgia e a melancolia
Me tomam muito tempo.

Posso dizer que a felicidade vem em ondas
E a tristeza também.
Que há maré alta tanto de uma quanto de outra,
E que a pesca nesse mar é e sempre será farta.

Posso dizer que sou mais otimista
Do que pessimista, embora não pareça.

Posso dizer que sou palhaço sem circo,
E que palhaços sempre choram nas coxias.

Posso dizer que nem tudo são flores
Mas que é nosso dever semeá-las.

Posso dizer que sou calado sim senhor!
E que meu silêncio sempre fala alto.

Posso dizer sempre um monte de coisas
Sem precisar abrir a boca. 
 
 

sábado, 17 de dezembro de 2011

Florbela Espanca

A dor, no início Espanca
A flor que a Bela espanta.
E a flor, outrora branca,
Torna-se rubra e santa:

Suas pétalas caem,
Os espinhos sobressaem
Provocam profundo corte.
Coitada da flor sem sorte...

À noite ronda-lhe a morte.
Mas logo ao chegar o dia,
Começa a escrever poesia,
De novo sente-se forte.


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sábado, 10 de dezembro de 2011

Carências

Eu hoje estou carente:
Carente de um abraço
Que ainda não dei
De tantas palavras
Que não te falei
Carente de olhares
Que desperdicei.

Carente estou

Do tempo passado
Que nunca dispus
Do tempo futuro
Que a luta faz jus
Carente estou de um pouco de luz.

E ainda que hoje
Quem amo me abrace,
Ainda que hoje
A vida mudasse,
Ainda que hoje
A carência cessasse,
Carente estaria de um beijo em tua face.


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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Barco Vazio

Sozinho em meu
mundo,
qual barco vazio e ancorado
ao vento
que lhe impele e não
sai do lugar,
empurrando, empurrando
forte,
esticando as amarras
dissolvendo o tecido
das bandeiras,
fenecendo aos poucos,
morrendo sempre
no final.












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sábado, 3 de dezembro de 2011

Imortal


Talvez ainda nasça
Quem te ama
E te admira
Para além de onde a vista alcança
Bem além de onde a vida mira.

Recorda-te com carinho
De quem te amou
E admirando,
Percorrendo seu caminho
Vai buscando, vai buscando...

Busca o bem, seu ideal
Busca andar sempre pra frente
Busca ser sempre Imortal
No coração de toda a gente.

E ao chegares ao fim de tudo
Terás passado o portão
Que fica além da vista, de toda a vida,
Terás entrado um coração.


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terça-feira, 29 de novembro de 2011

Solidão e Déjà Vu

Num dia de pressentimentos
Desde o início do dia,

Num dia em que vi minha tia,
Tão triste
Desde o início do dia,
Não sei se pelo peso das sacolas,
Ou por saber de minha história,
Ou então pelos problemas de lá...

Num dia em que deixei minha noiva chorando,
Cheia do mundo,
Cheia dos outros,
Cheia de nada por dentro,

Num dia de nuvem-aura escura e baixa,
Dentro de mim e de minha casa,
Desde o início do dia,
Leio pela enésima vez um livro
Que me arrebata sempre: Pedro Nava...

Num dia de noite insone,
Minha cama no sofá da sala,
Sem saber se vou a Norte Sul Leste Oeste,
Se piloto ou Co-piloto,
Se caso ou compro bicicleta,

Num dia de infiltração no pulso esquerdo,
De pulso direito rodilhando mão e letras
E solidão...

Num dia em que vejo todos em casa sós,
Minha tia só, minha noiva só, eu sozinho,
Diinteiro e noitinteira,
Peço a Deus que venha e vele,
Pule de ouvido em ouvido sussurrando a todos
O que fazer do dia seguinte,
Desde o início...
Só.
 
  
BH-madrugada 26/04/2005 déjà vu de hoje, madrugada 29/11/2011.


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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Pra Semana


Atravessar os umbrais
da memória
num domingo à noite
não é coisa que se faça
impunemente...
mais uma semana
bate à porta.
Tenho que produzir.

Preocupo-me
pois os dias perdem
seus nomes/rótulos
símbolos, seqüências:
não mais
segunda primeirodiadasemana,
terça demorapassar,
quarta futebolnatevê
quinta prelúdio da
sexta gloriosa,
vazia...

Passam a ser apenas dias,
um após o outro,
implacáveis em seu
compasso acentuado
tempo-espaço
inexorabilidade
dia-noite-dia-noite.

Os dias viram
otimismo
preguiça
necessidade
fato consumado
otimismo de novo.

Busco produzir mais
e libertar-me
de minhas próprias
amarras, medos...

Vejo progressos,
pequenos,
mas significativos,
e vibro com eles.

Minharquitetura
tão combalida
ganhou hoje mais
um tijolinho
em sua
Evolução.

Hoje já é segunda,
tenho que dormir...

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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Sobre Julgamentos

Não me julguem
Por minhas tristezas
Medos e
Angústias.

Não me julguem
Por minhas

Cabeçadas na parede e
Pelos murros
Em ponta de faca.

Já me julguei o suficiente
E ninguém sabe da missa
A metade.



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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ah, mar (gar)!

Que prazer é esse? que tem em
sofrer...
Que dor é essa? que tolhe a
vida...
E o viço do simples respirar
que se torna vício,
suplício
angústia e pesar...

Você não é mais o mesmo,
nunca mais será.
Está perdendo tudo,
até mesmo
o saber amar...


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sábado, 19 de novembro de 2011

O Castelo




Castelo pode vir de
Castle, do inglês,
Que no português virou
Castro, fortificação.

É o seu (nosso) sobrenome
Oculto e Ibérico,
Vindo das Quinas e Castelos
Del Rey de São João,
Vislumbrando do alto
De Claros Montes
Os Lessa,
Da Constantinopla ancestral,
Do Bizantino Império,
Ó guerreira valente e protegida
Pela sacra imagem da Virgem do
Perpétuo Socorro.

Em meio a Campos
De muitos outros nomes
E sobrenomes ocultos na história,
Campos por onde sopram
Os ventos da descoberta
E do saber
É você quem registra o mundo
Real e fabular
Fabuloso e pueril
Num castelo sobre as nuvens
Simples e genial,
Que representa seu nome
Oculto, porém
Uma das origens
De tudo que você é:
Joana Lessa Campos!

Beijos de seu pai.

19/11/2011.
 
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sábado, 12 de novembro de 2011

Taipa de Mão, Tapa e Sopapo

Taipa de mão
Taipa de pilão
Venerável construção
Vulnerável às vezes
Dependendo da estação.

Solapando-lhe as bases
A chuva intermitente
Corrompe-lhe aos poucos.

O vento (tempo) passa e
Subtrai-lhe partícula
Peça-pedaço-parede
Surgindo estrutura gradeada
Cipó amarrando
Grid
Xadrez
Grade
Prisão...

Taipa de sopapo
Tapa e sopapo
Na minha cara.

É o tempo urgindo
e bramindo:

CORRE!


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terça-feira, 8 de novembro de 2011

Fotos, cabelos e Carpe Diem: fazendo minha filha dormir.


Segunda-feira 07/11, aniversário do mano mais novo e eu fui incompleto: esposa e filha ficaram em casa.
Reunião no boteco finíssimo e muitas poses para a nova câmera digital.

Caramba...

Vejo nas fotos que o tempo passou através dos meus cabelos: se os que já estão brancos ainda não brilham pelos flashes, o que era volumoso já denuncia as prováveis entradas e uma possível calvície. Mesmo assim ainda ouço: "esse aí não envelhece" ou então "é o mais novo lá de casa..."
Ledo engano. Continuo o mano mais velho.
Voltei pra casa todo "inadequado".

Breve corte no tempo, hora de botar a filha para dormir.
Como de costume deitei-me, e ela, quase 6 de idade, deitou-se sobre meu tórax.
Tem sido assim desde que nasceu.
Não há na face da Terra sensação melhor do que a que se tem ao adormecer alguém em seu colo, no embalo de sua respiração. Se há um significado extra para a palavra PAZ, ei-lo.

-Papai, o que você está ouvindo?
-Música.
-Posso ouvir também?

Compartilhei os fones e escutamos juntos clássicos do Clube da Esquina (isso mesmo Victor: trenzinho, montanhazinha, nuvenzinha, "o Beto", etc. e tal, revisitados magistralmente pelo Affonsinho). Ela ia se aquietando e com  a respiração cada vez mais pausada vieram microespasmos e um ronronar baixinho, porém crescente.
Tem sido assim desde que nasceu.
Durante todo esse processo uma onda tsunami de nostalgia e saudade invade tudo e arrebenta em mim:
Saudade!
Não sei dizer de quem, não sei se de alguma época, não sei exatamente do que.
Talvez de algo que ainda está por acontecer, se isto for possível.
Não sei!
Simplesmente, Saudade.
Tentei entender a situação e só vinham à memória as fotos tiradas horas antes, meus cabelos, minha infância, pais, irmãos, tios e tias, primos e primas, casamento, família, os que se foram, lugares, escola, trabalho e amigos. Tudo que me referencia e me dá lugar no universo.

A leonina frase de sempre martelava minha fronte, qual carrilhão descontrolado, órgão de tubos gritando Tocata & Fuga J.S. Bach o tempo todo: "Carpe Diem! Cara pálida...CARPE DIEEEEEEEEM!"
A fronte pulsava. A mente pulsava. O coração pulsava. Tudo pulsava até que, por fração de segundo eu era só coração, 1.75m de altura, 68.8 kg, filha no colo e olhos estáticos.

Voltei.

Ela dormira calma, pousada no meu peito em chamas, com mineirices mil derramadas ouvido adentro e era levada agora para um leito mais tranquilo, cama de criança, no colo daquele que todos chamavam de moço mas que insistia em se dizer o mano mais velho.





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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Das Flores e Dos Amores

Da vida
Que ontem vivi,
Nada levei
Quando parti.
Deixei
Muitas flores
E também
Muitos amores
Convertidos em um só
Amor.

Só que as flores
Morreram.
A terra não era boa...
E quanto aos amores,
Sofreram.
Descobriram ser coisa à toa.


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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Olhos de Esmeralda: o poema do postal.




  

   Sempre gostei de futebol, legado de meu pai a quem, por muitas vezes acompanhei no estádio aos jogos do Atlético e na AABB, às peladas dominicais e torneios internos. Éramos goleiros e apesar da grande diferença de idade, chegamos a nos enfrentar em balizas opostas.
   Em agosto passado postei aqui no blog um poema chamado "Goleiros (homenagem ao meu pai)" para celebrar essa época.
   Desenrolou-se a vida, defini minha profissão como arquiteto, e ainda ligado ao esporte interessei-me  pela arquitetura de estádios, chegando a formar uma boa coleção de fotos e cartões postais de campos de futebol do Brasil e do mundo que contabiliza hoje cerca de 1.500 peças. Trocava correspondência com outros colecionadores e com o advento da internet veio o comércio eletrônico, que possibilitou a aquisição de itens fora de circulação, particularmente de postais antigos interessantíssimos.
   Um desses postais retrata o Maracanã no Rio de Janeiro, onde podemos ver com nitidez os andaimes sob a marquise do estádio bem como o seu entorno todo em obras. A julgar por essas características, suponho que a foto seja do dia de sua inauguração, pouco antes da Copa do Mundo de 1950.
   Para a minha grande surpresa depararei-me no verso do postal com um poema sem título, sem data e sem assinatura que acabou por transformar esse pedaço de papel numa relíquia valiosíssima para mim, um elo entre presente e passado, entre três coisas que gosto: poesia, futebol e arquitetura, além das lembranças de infância e adolescência na "cola" de meu pai.
   O poema é assim:

"Nos meus olhos de esmeralda
Passa a vida que vivi
Passa a estrada percorrida
Passa a sombra de um adeus

Passam os olhos de outro alguém
Passam luzes que apagaram
Passam nuvens já disformes
Das viagens sem destino

Passam todas as sementes
Que brotaram e já murcharam
Passam flores, passam fitas
Que enfeitaram o passado

Passam sempre e sem parar (?)
As lembranças que agonizam
Passam rastros de risadas
Que calaram já feridas

Nos meus olhos de esmeralda
Passa sempre uma saudade
De uma vida já vivida
Que passou e não voltou."


quinta-feira, 27 de outubro de 2011

As Viagens de Antanho

Viajo vidas
Pregressas
Quando o meu
Coração de antanho
Se lhe abria
Com fervor.

Viajo vidas
De antanho
Quando o seu
Coração de estanho
Não batia
A meu favor.

Olho a vida
No futuro
Quando o meu
Coração maduro
Pelo tempo
Ficou duro
E perdeu todo
O valor.

Já o amor
Que hoje procuro
Como o estanho
Se tornou:
Brilha frio
No escuro
Derreteu
Sem ter calor.

Quanto à vida
No presente,
Nada sei...
Minha vida atualmente
Não tem lei.
Tenho algo que pressente
Tenho tudo que passei:

Meus amores,
Vejo-os todos
Sem os ter;
Minhas dores,
Tenho-as todas
Sem as ver;
Minhas flores,
Beijo-as todas
Sem prazer.


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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ao que diz o coração

(às almas essenciais)

Se tarde demais
Não for, renuncio
Ao meu torpor
E inicio
Com ardor
A maior das caminhadas
Com destino ao amor.

Amor ao mundo e à vida,
Amor à ação e à esperança,
Amor à falha e ao erro.

Amor ao projeto,
À obra e à construção
Da liberdade,
Do saber,
E do querer.

Amor ao que diz o coração.
Ao que diz o meu coração.


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Trinca

I-Tramar

Tramar
Tramei...
Não fiz
Errei...
Antes tivesse feito
E errado
Do que ter
Ficado parado.

II-Ruminar

Deixar pra depois
É comer
Como
Comem
Os bois...

III-Acreditar

Acredito em
MIM,
Três letras
A progredir,
Vendo, Ouvindo, Interagindo.


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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Me Dê Um Texto Técnico!

Me dê um texto técnico!
Para explicar e demonstrar
Pelo amor do santo Deus
O que você sente por mim.

Me dê um texto técnico!
Científico e acadêmico
Isento de evasivas e das frases
Tão vazias que você dirige a mim.

Me dê um texto técnico!
Para eu compreender
Fora desta sua inócua "poesia"
Como você foge de mim.

Me dê um texto técnico!
Para eu te demonstrar,
Quase desenhar,
Que o que sinto por você tem:

Princípio
Meio
E fim.


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Topada

Fundir-me com o chão,
Fazer parte da paisagem,
Ser um com a cidade que hoje
Me vê definhar,
Lágrima no canto do olho
TV ligada
Quarto escuro...

Ver por baixo
Solas gastas de
Sapatos tênis sandálias
Que passaram
Por lugares que nem imagino,

E eu aqui,
Sempre carregado,
Pés descalços,
Intactos,
Bolha sequer...

Qualquer topada
Seria muito bem-vinda...

Faz-me falta
O que não fiz,
O que não faço,
O que fazer...
O que fazer?

Não sei.

Apenas faça.

(2005)


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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Último Encontro

Te vi chegar pela janela gradeada
da sacristia do Carmo de Ouro Preto
e em meio a relíquias
e idiomas distantes
eu te esperava,
no dia de meus anos.

Cabelos soltos, brilhantes
ao sol da manhã fresca,
vinda de ladeiras e ruas que um dia
passei em pensamento,
quando buscava em alguém
o que agora via em você.

Pensava em nós.

Te segui de dentro da nave.
imaginando seus passos lá fora,
ao sabor do vento sol relva pássaros.

Desfilei retábulos, altares, púlpitos
e santos (trocando olhares de fome comigo).
detendo-me na última estação
da Sacra Via revendo uma promessa
e esquecendo outras mil,
deixadas pra trás
em pegadas na trilha da vida.

Pensava em nós

Saindo, te vi pequena e altiva,
sentada no parapeito do adro da igreja
com o mundo todo a seus pés:

Senhora da paisagem
de montanhas e história
que envolviam,
emolduravam o quadro
de nosso último caso,
de nosso último encontro,
no dia de meus anos...


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sábado, 8 de outubro de 2011

Noa(r)

Não é perfume à toa
Que me arrebata
E a mente voa,
Vence coqueiral
Falésia
Mar azul
Horizonte Belo
"Em linha recta"...

E voa alto.
E volta,
Despejando no ar
Fragrância de
Beijos e abraços
Que ganhou
Por onde passou...














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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A Ponte da Misarela

Na ponte da Misarela
Eu passei em pensamento.
Na ponte da Misarela
Eu parei por um momento.

Encostei no parapeito
E olhei:

Vi lá em baixo
O rio de minha existência
Explodindo nas pedras
Numa nuvem de vapor;
Cada gotícula um dia de vida.

A nuvem sobe
E toda vida
Passa diante
De meus olhos
Em delírio
Quase místico:

Vejo minhas alegrias,
Vejo minhas cruzes,
Vejo minhas certezas,
Vejo minhas dúvidas,
Vejo você,
Vejo minhas flores,
Vejo meus amores...

A Misarela une o nada
A lugar nenhum.
O rio que ali passa
Tem as margens áridas,
Estéreis, como é toda a província,
Lugar mais árido do país.

A Misarela é uma ponte
Estreita e curta,
Onde os amores locais
Vão buscar inspiração,
Fertilidade.
Lá eu fui buscar
Um amor não-sei-o-quê
Nãoseiseachoqueprocuro.

Não achei na Misarela
Aquilo que fui buscar.
Mas achei coisa mais bela,
Vi motivos pra sonhar:

Vi que a nuvem
E as gotículas-dias
De minha vida
Ao sucumbirem
À força da gravidade
Depositavam-se em cada
Margem do rio,
Transformando a aridez
Tão presente naquela área
Em um rico jardim,
Explosão de vida.

Descobri
Que a Ponte da Misarela
É o momento presente
Que faz a ligação entre
Passado e Futuro.

O rio em queda livre
É a vida que se esvai,
É a nuvem de meus dias
Carregados de vivência,
Fertilizando a margem
Do futuro,
Do porvir,
Do bem viver.

Na ponte da Misarela
Eu passei em pensamento.
Na ponte da Misarela
Eu parei por um momento.


http://www.montalegre.info/2009/06/lenda-da-ponte-da-misarela.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ponte_da_Mizarela

http://calcorreando.blogspot.com/2008/03/ponte-da-mizarela-montalegre.html


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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Portugal


Em Portugal,
No topo de cada morro
Há um castelo,
Uma videira,
Uma oliveira.
Um moinho sem vento...

Há sempre um rio
De nome sonoro:
Tâmega
Mondego
O Tejo
O Dão.

Há cidades poéticas:
Romântica Lisboa
Douta Coimbra
O Porto despencando sobre o Douro
Évora de Diana
Elvas quasespanha...

Em Portugal,
“Eu nunca vi rios de água doce”
Nos disse a Isabel.
“São salgados como o mar.”

Em Portugal,
Há sempre uma
Velha de preto,
Um homem de boina
E bigode.

Há sempre um
Parente ou conhecido
No Brasil.

Em Portugal
Há os casais
As quintas
Os Palácios,

Há os estendais de roupa
E o povo na Ribeira,
Há um fragmento de popa
Que outrora fora inteira.

Há o Fernando Pessoa,
O Camões,
O Gil Vicente.
Há Florbela Espanca,
E letras pra toda a gente.
 
Em Portugal
Há cegonhas no Alentejo
Há casas que são “fogos”
Há um comboio em cortejo
Há um traço de outros povos:

Há os romanos ancestrais
E os mouros milenares,
Há povos coloniais
E as gentes insulares.

Em Lisboa,
Há na Baixa um burburinho,
Na Alfama, sobe e desce
No Chiado o cafezinho
E o fado que entristece.

Em Portugal
Há a Serra da Estrela,
Há a Basílica da Estrela.
Há a estrela polar
Que lá vi primeira vez.
Tão importante...

Há o vinho do Porto
Que do Porto só tem a vista.
Há Vila Nova de Gaia
E os “rabelos” pra turista.

Em Portugal,
De Sagres ao Minho,
Das Rocas até Elvas
Há acima de tudo a tradição;
Tudo ligado ao mar
Tudo ligado ao chão.

Por todas as coisas que vi,
E outras que o país encerra,
Se Portugal tivesse cheiro,
Teria cheiro de mar,
Teria cheiro de terra.


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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ser de Ferro

Em Ouro Preto
Tudo é “feito pelos escravos”
Inclusive meu coração
Feito escravo
Batendo incessantemente
Buscando sentimento
De ouro e prata
E ferro.

Ser de ferro
É o que desejo.
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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A Trilha do Sol

Saiu de casa andando, apenas com a roupa do corpo
E um oceano nos olhos.
Perdera tudo que achava ter conquistado a vida inteira:
Família, amigos e profissão.
Perdera o amor da sua vida.
Perdera a fé.
Perdera chances de ser feliz.
E não havia consolo naquela hora,
Apenas choro, arrependimentos e lembranças.

"No pain no gain"
Repetia para si mesmo.

Eis que de repente evapora-se o oceano nos olhos
Ficando apenas sal.
Sua visão, janela do mundo, torna-se
O pior dos sentidos:
Quanto mais enxerga,
Mais lhe dói a alma.

Para um pouco.
(H)ora?

Respira fundo e mira a trilha do sol.
A alma que antes ardia de dor
Vê então alguma luz:
O infinito é logo ali...


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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Diamantina I e II

I

E voltou Deus
Ao sertão mineiro
Do Espinhaço,
Talvez com vergonha
De si mesmo,
De sua criação
Não ter sido
Feliz naquele
Lugar nenhum
Do mundo: “Jequitinhonha”.

Resolveu dar-Se
Uma segunda chance:
Andou bastante,
Deixou pegadas,
Revolveu a terra,
Ergueu catedrais de pedra,
Monumentos admiráveis.

Das gotas de seu suor
Brotaram riachos,
Rios,
Cachoeiras,
De água doce
Doce.

Por algum tempo
Inverteu a ordem
Das coisas:
O céu virou subsolo,
Com isto,
Estrelas brotavam
No chão.
O sol dourava
As camadas mais profundas
Da Terra.
Então, esperou.

As estrelas tornaram-se
Diamantes;
Os raios de sol entranhados,
Muito ouro;
E aquela terra miserável
Tornou-se a mais rica
De todo o planeta.

II

Deus pisa
Tapetes de pétalas
E deixa
Pegadas de brilhantes
Diamantina
É uma pegada
Já lavrada
Pelo tempo.


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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O Menino

No grande sertão das
Vidas em vão
Vejo-me face a face
Com o destino,
Que sob a forma de um menino
Estende-me a mão.

Tomo-a e vou em frente.

Passo gente e mais gente
Até chegar a um portão.
Toda gente some
Ficando só o menino,
De quem me solto para
Abrir a tranca.

Some o menino.

Diabruras do destino
Que procuro além do portão.

Meu portão.
Meu destino.
E o menino?

Era eu bem pequenino.


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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Suffering Pampulha

Procuro seus
beijos e abraços,
buscando neles
calor e paz.
Procuro seu
corpo e seu cheiro
querendo deles
prazer e paz.
Procuro, busco e quero,
sempre mais, mais e mais.




foto: Brian Von Kaenel



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domingo, 11 de setembro de 2011

WTC

Hoje a noite será difícil.
Os aviões atingiram-me em cheio.
Há muito não escrevo.
Há muito não desabafo.

Não vi a bomba,
Conheço a história.
Não vi a guerra,
Tenho-a na memória.

Das coisas que vi na vida,
Nada nunca me impressionou tanto.
Hoje me impressionam todas
As coisas do mundo:
Do Jequitinhonha à África,
Tudo agora me sensibiliza.
Tenho vergonha de só agora acordar.
Não sei como agir ou reagir...
Talvez tenha que rezar.

Ai, ai, ai, minharquitetura...
Brigo com você todos os dias e,
Suas imagens, ícones dos manuais
Hoje estão no chão...
Caindo uma por dia.
Cai-me a alma também,
Uma por dia...

Milhares de almas se vão
De uma vez.
Vão do inferno ao céu
De uma vez.
E as outras?
Vão do inferno ao céu.
L-e-n-t-a-m-e-n-t-e

Estou impressionado.
Estou arrasado.

As torres de Babel
Ruindo como papel...
E eu aqui,
Sem descobrir o meu papel...



11/09/2001


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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Sentimento

Sento-me e tento escrever
Tudo o que sinto,
Tudo o que vejo.
E às vezes não dá...

É grande o fluxo que vem
De cima,
E o funil
Coração-Mão-Caneta
Transborda em letras
Desordenadas,
Perdidas
Para sempre do papel.

Fica o gosto do sentimento
Primevo,
Aquele mesmo,
Que passa rasgando
E deixa marca que só eu sei.

Não sai palavra
Se intenciono escrever.
Trava-me o sentimento,
Edema na glote criativa...
Não penso.
Não respiro.


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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Criação

Insepulta alma
Inoculta calma
Inquieta palma
Da mão que então
Permeia
Gesticula
Devaneia
Desenterra algum
Passado
Faz castelos de cartas
No ar
Põe um violinista no telhado
Difícil de equilibrar.
Molda o barro primordial
Vem alguém e assopra:
Desmorona o castelo
Cai o tal violinista...
Do barro voa a pátina
E pro mundo
Abre-se a vista
De pé então só fica a massa
E a vida agora
Pra ela passa.


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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Minharquitetura

A arquitetura força-me
A viver
A vida que pedi e não pedi
A vida que eu não esperava.
A vida que, sem eu ver, passava,
Ao largo de minha vida em vão.

A vida força-me
A viver
A arquitetura que pedi e não pedi
A arquitetura que aprendi.
A arquitetura que, agora eu vejo, passava,
Ao largo de minha vida de então.

Não vejo hoje a arquitetura
Como simples profissão.
Vejo-a como instrumento e cobertura,
É caminho e abertura,
Para cumprir no mundo a minha missão.



Casa Sandro/Patrícia-2010

 









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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Sexta-Feira da Paixão

Partirei à velha cidade
Desprezando teto
Fome
Idade
Para que
Com liberdade
Decida eu
Minha vontade.

Cruzarei o mar de morros
Em galé da era moderna
Para ir a outros foros
Encontrar a luz eterna.

Aproveito a ocasião
E o pretexto tradição
Disfarçado em religião
Pra seguir a procissão
Pois enquanto ela passa
Ressuscito a devassa
E em meio à humana massa
Eu suplico uma graça.


Ouro Preto, 1995.


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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

(Des) vegetar

Ai, que vontade
De calar,
E às vezes, de fitar
O vazio,
Esvaziar a mente,
Vegetar
Sob o sol escaldante
Sob a chuva saraivada
De coisas que podem
(e devem) mudar minha vida,
Batendo na minha cabeça
E na minha porta.

Pisco um olho.
Desvegeto.
Volto a mim e
Abro a porta
Pra um novo
movimento...


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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Minas

Nas montanhas que cercam 
Meu peito
Nas ruas em ladeira

Por onde sobem e descem
Pensamentos
Nos adros dos templos

De onde vislumbro 
O futuro
Você é presente.


É o vento gelado 

Que corta meus vales
É o rio cristalino 

Que sangra minhas veias
Aonde garimpo seu sorriso
Seu amor
O maior de todos os tesouros
que já encontrei.





















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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Narciso

Se o Narciso um dia voltasse
E pudesse olhar-se no espelho
Talvez não acreditasse
No quanto estava velho.

A cegueira fez-lhe um mal
Que tolheu-lhe lentamente
Uma vida sem igual
Todo o amor que tinha em mente.

Mergulhou em águas claras
Foi nadando atrás de si
Encontrou as mesmas caras
Sempre as vira por ali.


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terça-feira, 23 de agosto de 2011

Veneza, 1996

Meu inócuo coração
Mais antigo que a escrita
Quando bate crava ao chão
Uma nova palafita.

Vai erguendo um edifício
Sobre as águas de um canal
Para o qual é bem difícil
O acesso principal.

O edifício é o sentimento
Que eu guardo para alguém
E que até este momento
Compartilho com ninguém.

Só uma nova bateria
De um outro coração
É que me construiria
Uma ponte de união:

Numa margem, meu receio
Numa outra um’alma nova
E a ponte, bem no meio
É o amor que se renova.


Pássaros na laguna de Veneza - A.W. 1996















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sábado, 20 de agosto de 2011

Neon

Altaneira a flor
Participa em mim
A dor
De um grito no escuro
Um tiro no silêncio
Da noite insone.

Ah! flor,
Sempre me socorres
Em versos descomunais
Incomensuráveis
Que habitam meu
Pensamento passando
Como um luminoso de neon
Continuamente...

Ah! amor,
Quando um dia destes
Me atenderes,
Não haverá só um,
Mas “n” haveres
Ocasiões
Em que aqueles versos
Verbalizarão
Se materializarão
Em versos que só você
Vai escutar
Mesmo em meu silêncio.

Versos que serão vistos
Dentro de meu olhar.


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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Você, quando aparece

A sua fala:
Me emudece.

O seu silêncio:
Me enlouquece.

O seu olhar:
Me estremece.

O seu toque:
Me arrefece.

O seu perfume:
Me entorpece.

O seu beijo:
Me apetece.

O seu amor:
Me fortalece.

A sua luz:
Me amanhece.

A sua vida:
Me acontece.


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quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Washington, D.C.

A menina desce da rede e à sombra das cerejeiras
Apanha uma de suas flores caídas no Mall...
Sorve-lhe o perfume e sente a brisa leve acariciando-lhe a face.

"Hard times, fast times..." diz para si mesma.

Tudo passa e a vida que começou num sopro
Enche-lhe os pulmões novamente,
Desta vez, com cheiro de flor.













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4 Estações


É outono
E agora caio
No inverno
Que me gerou
Primavera
Que é quando saio
Pro verão
Que me criou.



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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Meandros (versão 4.0)


Murmúrios de uma vida contida...
todos os meus dias
passando diante
de meus olhos fechados
buscando um sono
que insiste em não chegar,

E eu, novamente
fazendo muitos planos,
desfazendo outros tantos,
natimortos.

Ai, que angústia!

Releio um trecho do Nava,
que consagra em definitivo
o pôr do sol de Belo Horizonte
e vislumbro novas fontes e
possibilidades.

Percebo minha vida inteira
aqui nessa cidade,
percebo ser mineiro de
quatro costados,
mineiro do quadrilátero,
Chão de Ferro mesmo!

Às vezes, mineiro demais,
protegido pelo útero
montanhoso que me envolve
ansiando pelo inevitável parto.

Eis que me vejo agora,
cheio de cavas,
túneis,
buracos,
no coração
na mente
na alma...

E os sonhos,
alguns perdidos,
desfeitos,
adiados,
maquiados...
 
De olhos fechados repasso tudo:
as virtudes,
os pecados,
o amor,
a Paternidade,
os brilhantes projetos de arquitetura,
as viagens de descanso,
a conversa final com alguém...

O quanto ando distante
de Deus e dos homens,

O quanto tenho sido
egoísta e acomodado...

E a cidade como pano de fundo.

Meandros
de uma vida contínua:
Belorizonte
Belo Horizonte

Raiz.

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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Meu Irmão

Morar longe...
Morar onde?
Bem dentro do coração:

Aqui na esquina,
Na próxima rima,
Ou duas horas de avião.

Crescer a olhos vistos,
Ainda que os olhos
Sejam os do espelho.

Viver sozinho,
Abrir caminho,
Enfrentar o humor alheio.

Entrar na briga,
Ganhar a vida,
Conquistar a posição.

Sentir anseio,
Filho do meio,
Sem tirar os pés do chão.

Cortar o dedo,
Talhar o sangue,
E ligar para o irmão.

Chorar um pouco,
Tomar um coco,
Ir pro terraço, erguer a mão,

Sentir a brisa,
Na face lisa,
E abrir o coração,

Pra um novo alento,
A cada vento,
Que lhe sopre a emoção.

Não te preocupa,
Prosseegue a luta,
Com pulso forte, meu irmão!
Que o pai atento,
E a mãe de amor,
Pedem sempre com ardor,
Para Deus Nosso Senhor,
Proteção pra o filho vento,
Na terra de Salvador.


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domingo, 14 de agosto de 2011

Shine (homenagem à minha filha)




Diante de todo meu
Aperto e angústia
Diários,
Surge você,
Joana!
Farol de Alexandria,
Colosso de Rodes,
Maravilha do Mundo,
Que me ilumina a alma,
Recepciona meu coração-barco
na enseada de seu
Sorriso.


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Goleiros (homenagem ao meu pai)


AABB-1964


Bola vem!
O esforço,
O gemido,
O voo.
Por um instante sou igual ao meu pai:
Super Homem
Santos Dumont
Sou Ícaro
Mergulhando em sonho-céu
Com asas de cera
E com a certeza
De ser a última fronteira
De todo esse processo
Que é a minha vida...

A bola chegando
A bola passando
Inalcançável...
E a minha sombra lá em baixo.
Silêncio no mundo:
Pontinha de dedo,
E ?
A bola triscando a trave
O chão chegando.
A sombra crescendo...

Um "oooh!" ao fundo.

Salvei...

(26 de abril: Dia do Goleiro)


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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

1994 - Franz Weissmann na Praça da Liberdade

Escrevi este texto para o jornal "Entre Riscos e Rabiscos" do curso de Arquitetura do Izabela Hendrix, em 1994. Uma época em que a cidade começava a renascer culturalmente. Na imagem, da esquerda para a direita: Luciane Missiaggia, Danielli Tavernard, Juliana Myrrha, eu, Eliane Dobscha, Flávio Agostini e Leonardo Miranda. No chão: J.R. Guaritá e Sérgio Myssior. Foto: Murilo Pantaleão.

     "Merece registro a exposição das obras do artista plástico Franz Weismann, austríaco radicado no Brasil há mais de 40 anos. Tal exposição ocorreu no último mês de agosto na Praça da Liberdade, enriquecendo mais ainda a alameda “Travessia” e revelando para a cidade um belo espaço passível de intervenções.
     Estive lá muitas vezes durante a mostra. Fiz várias observações que me ajudaram a compreender o caráter da exposição e também do local. Sem dúvida, a visita mais marcante foi quando da ida de nossa turma à praça para a aula de Desenho Industrial.
     Em meio a discussões e conversas paralelas, caminhávamos pela alameda, quando fomos abordados por um homem que começou a recitar uma poesia de amor, de sua própria autoria, creio eu. Estava trajado com um jaquetão no estilo daquele que costumamos ver nas pinturas representativas de nosso Alferes mais famoso.
     Depois de dois ou três minutos, o anônimo (seria o Tomás Antônio Gonzaga?) termina seu discurso e se retira, indo de encontro à mulher que o acompanhava à distância (seria ela Maria Dorotéia?).
     Arrepiei.
     Enquanto os supostos Marília e Dirceu se iam, tomei consciência do que realmente representava aquela exposição.
     É grande o número de pessoas que freqüentam a praça, e maior ainda o daqueles que apenas passam por lá todos os dias. O cenário é perfeito: prédios bonitos, muita cor, contrastes, perspectivas monumentais. Um belo paisagismo, enfim.
     Tudo isto, aliado à possibilidade de não apenas ver, mas também tocar e até “usar” obras – crianças subiam e desciam nas esculturas, como se estas fossem brinquedos de parque – desmitifica o artista, fazendo-o descer de seu pedestal e vir para junto de nós, simples mortais. Suscita ainda um sem número de manifestações, como aquela, do poeta misterioso.
     O evento da Praça da Liberdade nos faz refletir sobre os espaços da cidade, sua apropriação e conseqüências de tal ato. Quem não se recorda do Festival Internacional de Teatro, ocorrido no primeiro semestre? Será sempre lembrado principalmente por causa daquela companhia francesa, que literalmente se apoderou das ruas de BH.
     Pois é. A exposição de Franz Weismann marcou. A mim de um modo, às outras pessoas, de outros modos, tenho certeza. Quem não viu, perdeu.
     É este o registro."
 
Belo Horizonte, 23-9-94.


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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Ventos

Que me venham ventos
De todas as partes
E lugares.

Que venham de
Espanhalemanha
Américas de Norte a Sul
África Ásia Oceania
Eurásia Lestásia...

Ventos dos Vales
Do Aço
Dos rios
Tejo
Doce

Amarelo
São Francisco
Mississippi
Das Velhas...

Das boas novas...

Ventos que girem
Birutas
Grimpas
Acrotérios
Que passem monastérios
E lugares bem menos
Ortodoxos.

Ventos que me falem
De tudo que acontece
No mundo e na vida.

Que soprem as velas
Que movam caravelas
E o grande catavento
Ao qual chamo coração.

Ventos solares do espaço
Que promovam mudança de eixos
Polares
Físicos
Metafísicos
Magnéticos.

Que me purifiquem
Me limpem
Me lixem
A pátina ferrugem teia de aranha.
Que me cobrem...

Quero o novo!
Quero o novo!
Quero o novo!

Gira redemoinho
Me tira do ninho!

Gira vento tornado tufão furacão
Gira a esferográfica ponta
De minha caneta
Por onde sopro meus ventos
Internos...

Giramunduniverso a meu favor!
 
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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Nó na Garganta

Sempre trazendo
A memória clara
Do amor desejado,
Do amor conquistado,
Do amor complicado
Pelos rumos da vida
E do mundo
Tal qual ele realmente é,
Com nó na garganta e tudo,
Espero em Deus
A solução de alguns problemas.


O resto eu posso resolver
Sozinho...


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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Barcelona



google earth


Barcelona
Te espera de braços abertos,
De sorriso aberto,
E com a alma,
Que é igual à sua,
Na palma das mãos.

Barcelona é vanguarda,
É terra,
É mar,
É ar.

É montanha e planície,
É o novo e o velho,
É a “pasión” espanhola
E o romantismo francês.

É estado de espírito...

É Miró,
É Picasso,
É Gaudí.

É Colombo apontando
O infinito.
É o que vejo
Quando te olho nos olhos:
Brilho, descoberta
E arte...


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domingo, 31 de julho de 2011

Entrevista com meu trisavô

Fugindo um pouco do padrão, posto hoje uma entrevista de 1922, feita com meu trisavô em Santa Luzia, MG, por um certo Dionysio Silveira. Encontrei em meus arquivos.


Um homem que nasceu no “anno da fumaça” diz o valor das barbas no seu tempo e da superioridade do Partido Liberal sobre o Conservador
 
Passei o dia de hontem – 7 de setembro – entre as quatro paredes duma sala de hotel, na tradicional cidade de Santa Luzia do Rio das Velhas, a 35 kilometros de Bello Horizonte.
O hotel em que me hospedei, o único existente no logar, não está situado propriamente na cidade: fica-lhe distante tres kilometros e à beira da estação de Rio das Velhas, da Central do Brasil.
Não é que eu preferisse passar ali o “dia maior” dos brasileiros. Não. Não é possível preferir-se, mormente no dia de hontem qualquer cidade, por melhor que seja à Bello Horizonte.
Trabalhos urgentes foram a causa de minha permanencia em Rio das Velhas.
Aproveitei bem o dia: trabalhei e aprendi alguma coisa de historia antiga, que os livros não dão à publicidade.
A proprietaria do hotel é uma distincta senhora, viuva que móra em companhia de seu respeitavel pae, sr. Vicente Gonçalves Chaves. É um velho de poucas falas. Suas longas barbas brancas dão-lhe perfeita semelhança com d. Pedro II; e a sua sizudez demonstra a severidade de seu caracter.
Vi logo que minha approximação desse homem seria proveitosa, porque iria conhecer, como de facto conheci, episodios interessantes do seu tempo e da sua gente.
Eduquei meu espirito, já de naturesa observador, nas lides de imprensa, de maneira que não perco opportunidades, como essa, de fazer uma reportagem sobre assumpto politico-social.
Sem perda de tempo, puxei minha cadeira para junto da do sr. Vicente Gonçalves Chaves e lhe perguntei:
–O senhor tem alguns 70 annos?
–Tenho mais alguma coisa, porque nasci no “anno da fumaça”, em 1833. Como vê, tenho 89 annos feitos e quasi a entrar na casa dos 90.
Respondi-lhe, então, gracejando:
–Se fosse a uma senhora, eu não me atreveria a fazer pergunta tão indiscreta... As senhoras não gostam desse assumpto.
–Qual! Hoje é que a gente vê dessas bobagens. As moças do meu tempo não negavam edade... e se casavam.
–No seu tempo, as coisas eram bem differentes...
–Não tem comparação. Até a natureza mudou. Antigamente havia mais regularidade no clima: os Ipés, quando chegavam a se cobrirem de flores, a chuva não tardava. Hoje, os Ipés desacorçôam ter flores, e a chuva não cáe.
–Por que se chamou “anno da fumaça” o de 1833?
–Foi porque o mundo ficou todo embaçado. Houve uma fumaça que não deixava ver a distância de dois metros. Durou dias. Meu pae é que me contou isso. Esse phenomeno eu não vi. O que vi muito foi a barba valer como documento. E valia muito mais do que os documentos de hoje, sellados de cima a baixo, testemunhados e registrados nos cartorios, e, assim mesmo... na hora do “compromisso”, foge tudo: foge o homem que assignou, as testemunhas; e, o papel, às vezes, fica sem valor, só porque faltou uma palavra.
No meu tempo era assim: eu precisava – uma comparação – de 100$; escrevia um bilhete à essa pessoa que tinha o dinheiro, nestes termos: “F. manda, pelo portador, a quantia de 100$, que pagarei no dia tanto.”
Dentro do bilhete ia um pequeno pedaço da minha barba, que eu cortava na hora.
Isso era sagrado.
No dia do pagamento eu ia levar o dinheiro e trazia o pedaço da barba.
Esse tempo já passou. Quasi todos usavam barba. Eu nunca puz a navalha na cara.
–E as amizades eram firmes?
–Ah! firmeza de tudo era no meu tempo. O povo de Santa Luzia era valente mesmo: não aturava desaforos. Por qualquer coisa mettiam o porrete.
Basta dizer que o povo batia a força do governo. Na “Revolução de 42” foi bonito mesmo. Teve uma hora que o povo de Santa Luzia quasi bateu a força de Caxias.
–O senhor se lembra da Revolução de 42?
–Como não? Eu fabricava munição para as espingardas de pedra. Essas armas matavam que era um horror. E não falhavam. Era fogo ali, na certa.
Meu pae estava da côr de seu casaco (apontando para o meu paletot côr de terra) e tinha lama até nos joelhos, de tanto combater com a força legal. Eu me lembro disso como se fosse hoje. Tenho a “idéia” muito boa.
No combate decisivo, meu pae foi preso, e muitos companheiros delle fugiram. Uns cairam no rio e atravessaram a nado; outros passaram mesmo na ponte grande.
–O Partido Liberal era forte?
–Muito mais forte do que o Conservador.
Aqui em Santa Luzia, o Partido Liberal sempre bateu o Conservador. Não ganhou uma eleição.
O povo do Liberal era um povo resolvido. Na Lagôa Santa, hoje districto deste município de Rio das Velhas, uns poucos liberaes não deixaram a força do governo entrar. Nessa occasião foi baleado na perna o barão de Sabará.
–No seu tempo havia mais respeito aos homens públicos?
–Ah! respeito era no meu tempo. Quando o imperador passava, todos tiravam o chapéo. Uma vez, elle jantou ali, naquela casa (e apontou para uma casa vizinha), para embarcar num vapor, no rio das Velhas. Ia em visita ao Recolhimento Macahubas, aqui pertinho.
Tinha povo nas ruas como cascalho. Todos acompanharam d. Pedro II até à beira do rio.
–O senhor tem acompanhado essa ultima campanha em torno da successão presidencial?
–Tenho sim. É uma vergonha. Não respeitam nem a vida particular. Nunca vi tanto horror. Tanta diffamação ainda não vi.
Na Monarchia não havia disso. Por essas e outras é que sou monarchista.
–O senhor é monarchista?
–Sim, sou monarchista de coração. Só sou republicano em obediencia às leis.
Nesse momento o sr. Vicente levanta-se e vae ao seu quarto, e de lá me traz um retrato de d. Pedro II. Exaltado, exclama: “Esse é que era homem: caridade e bondade está aqui (apontando para o retrato). Educou muita gente, protegeu muito moço pobre para fazer carreira. D. Pedro era tão bom – continuou o sr. Vicente – que não quis receber os cinco mil contos que o governo provisorio lhe offereceu, dizendo que o Brasil era ainda pobre e não estava em “circumstancias” de dar. Você deve saber ainda que d. Pedro II levou um travesseiro de terra do Brasil, para deitar a cabeça, depois de morto. Isso é que é bondade. A minha opinião é que os ossos delle não deviam vir para o Brasil.
–Por que?
–Pois você me toca com o pé de sua casa, e eu ainda volto?
–Pelo que estou a ouvir, o senhor não vae bem com os republicanos...
–Não, não é isso. Com alguns, é verdade que não vou bem; mas ha outros que aprecio.
Teve palavras de elogio a alguns vultos da actualidade e do governo. “São tacos de homem”, disse.
Estranhei a expressão “tacos de homem”... Elle explicou: “Assim se diz que elles são quando se mostram fortes e decididos. Como ...”
E referiu os nomes que admira e aprecia. Seus elogios, aliás, são de valor, porque é elle um monarchista independente, caracter de velha tempera, sem desejos nem ambições presentes para elle nem para os seus.
A sua única preoccupação, actualmente, é arrancar das peças de morim que lhe chegam às mãos os retratos de d. Pedro II.
Assim é que já conseguiu uma grande collecção delles.
À cabeceira de sua cama encontra-se um desses retratos, ao lado do da imperatriz.


Dionysio SILVEIRA.
Rio das Velhas (Minas) – 8-setembro-1922.


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sábado, 30 de julho de 2011

Te vejo

Te vejo sempre
Nas manhãs
Da cidade
Acordando.
Te vejo sempre
Tão grave,
Tão triste,
Sem ao menos
Um esboço,
Um traço
De sorriso.

E as manhãs,
Mesmo radiantes
E cheias de sol,
Tendem ao cinza,
Ficam preguiçosas...

O que há de errado com os sorrisos de Minas?

Te vejo sempre
Sabendo que
Já te vi
Em algum lugar
Em algum ler
Em algum escutar
Num Cole Porter perdido
Num Gershwin desconhecido
Para mim.
Quem sabe até mais?
Eu te vi mesmo foi
Num Vinícius de Morais!

Te vejo
Sempre
Que te vejo
Pura poesia
Carícia no coração...


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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Livro de Cabeceira


O meu livro de cabeceira
É o meu travesseiro,
Onde derramo
Insônias pelo ouvido
Noiteafora...

Nele estão impressos
Todos os meus pensamentos
E assuntos

Dele eu ouço todos
Os conselhos e
Peso todas as decisões.

É ele quem dita
Tudo quanto escrevo
É ele meu confessor
Meu lenço
Meu laço com o mundo interior.

Dele me lanço a Deus quando
Agradeço peço e confesso
Que estou só
Novamente...

Optei pela solidão.
Como sempre,
Pelo caminho mais fácil...


2000.


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sábado, 23 de julho de 2011

Poesia Corporativa


DA VI LA
VI DA LA
VA LI DA
(R)
.
Analise Critique Verifique Valide
.
PROBIN
É
PROBEM
NO
PROBLEM
AT ALL
.
sem versão
sem revisão
confusão
com razão
.
PQ?PQ?PQ?PQ?PQ?PQ?PQ?PQ?
PQ1PQ2PQ3PQ4PQ5PQ6PQ7PQ8
.
Dávila World
"WILD"
Web
DávilaWeb
.
tudoquevocecolaboradorprecisasaber
.
ARQDAY + "ENTREGA" = AAAARGH!DAY
.

RACP-me Camaleoa
Adapte-me ao seu
Ne me quitte pas...
.
Integrarprobinizar
.
ISO ISO ISO ISO...
.
FIM


.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Desterro

Um Tejo de lágrimas
Escorre em mim.
Dilúvio da alma.

Desterro.

Sozinho na Colônia
Distante,
Nem as estrelas
Já me fazem companhia:

O céu tropical de verão
Baço,
Embaça o brilho
Que outrora carreguei
Nos olhos:

Sorriso nos lábios,
Reflexo no coração braços abertos.

Agora,
Sem braços.
Amanhã talvez,
Sem coração...

“Tejo ancestral e mudo...”


Amparaste as lágrimas
Portuguesas
De vidas famílias interrompidas
Na plenitude.
Velas ao vento
Mulheres filhos
a sós.

Ampara mais esta
Gota d’água
Em oceano que és.


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quinta-feira, 21 de julho de 2011

Cento e Cinquenta. E Cinco Por Cento

Três anos se passaram,
E eu, num profundo
Mergulho n’alma
Pergunto-me:

Emirjo?
Sim, com certeza!
Mas o que sobrou
De mim? Nesse tempo todo.
Prefiro retificar a questão:
O que construí em mim
Desde então?

Sim. Amadureci.
Sou diferente cento e cinqüenta por cento
Do que era.
Evoluí cinco por cento
Do que realmente preciso...

Família e amigos
Vejo com reservas.
Olho por quem me olha,
Não perco mais tempo ou energia
Com rodeios ou pessoas
Desnecessárias.

Meu conceito de energia
Mudou.
Tudo é energia.
Não se trata de coisa
“Visível” como a energia
Elétrica, por exemplo.
Energia é o que sinto,
Quando vejo uma pessoa,
Quando lembro uma situação...
E a energia que sinto
Ao ter uma idéia nova
Agora chamo
Intuição.

Intuição não é premonição.
Eu andava errado quanto a isso.
Intuição é estímulo, ímpeto.
Mentalização...
“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce...”


E nasce mesmo!

E quanto ao amor?
Esse continua o mesmo:
Não cabe em mim,
Sai-me por cada poro.
Amor reciclado desta feita...
Sem perda do auto-respeito,
Da auto-estima.
Amando-me primeiro
Depois Ela.
Ela com “E” maiúsculo
Pois Ela merece
Todo amor do mundo.

Profissão?
É a roupa chique que vestimos
Para o baile da vida toda,
Onde dançamos, rodopiamos o salão...
Escorregamos às vezes
Trocamos de pares...
Suamos e podemos até
Trocar de roupa...

Vinganças...
Realmente não as planejo mais.
A vida sempre dá
Os trocos necessários.
Cedo ou tarde recebemos de volta
Tudo aquilo
Que praticamos
De bom,
De ruim,
De negligências,
De atentos...

E escrever?
Volta às vezes essa vontade:
Palavras ao vento,
Velas ao relento...
Mas antes agir que pronunciar.
Girar o leme da vida
E seguir em frente...


Abril  2000


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domingo, 17 de julho de 2011

Ulissipo

Dispo-me
Dissipo-me
Em Ulissipo
No país de meus ancestrais
Em Lisboa
Transformada em Capitais
De Reinos
Vices-Reinos
Portugais vários
Existentes no mundo afora
E ainda mais.

Viajo no
Espaço-Tempo do meu tempo
Num bote solto
Num Tejo revolto
Num sei se volto
A amar novamente.

Ao mar,
Minha gente!
Coragem!
Recomece cada dia
Não admita calmaria
Ou seu Porto, asseguro,
Jamais chegará.

Visto-me
Visito-me
Na Vila Rica
De Belos Horizontes
No ouro perto
Das Minas
Gerais.

Num país
Em chamas
Numa cidade
De tramas
Neste mês
Em que as semanas
Insistem em não durar
E você vem justamente
À minha vista se sentar...

E o tempo então pára...
  
Não se preocupe
Ainda não me interessa
De onde você vem
Para onde vai...

O que interessa é que,
De súbito
Alguma coisa, vinda daí
Encheu a imensidão
De válvulas átrios ventrículos
Que costumo chamar
Meu coração.

E quando isto acontece,
A minha vista,
Cansada de coisas banais,
Deixa de ser turva
E faz até mesmo curva,
Procurando te procurar
Te ver
Cada vez mais.

E mais.
 
1998


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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Medusa



Alma em pedra
Enrijecida
Ninho de cobras
Desgosto
Esta imagem
É parecida
Com as que guardo
De seu rosto.


imagem: Medusa de Caravaggio (1573-1610) Galleria degli Uffizi, Florença-Itália


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quarta-feira, 6 de julho de 2011

Afoita



A verde e afoita
Folha voa
Quando o vento a açoita,

Vaga no céu à toa
Como voa meu coração:

Voa lá co'algum receio,
Procurando sempre um meio
De manter os pés no chão.


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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Por Que Escreve?



Por que escreve?
Por que continua escrevendo?
Por que lê sempre
Os mesmos livros?
Ouve as mesmas
Músicas?
Revive fantasmas há muito
Desencarnados de sua vista?
De sua vida...

Por que pensa sempre
Nas mesmas pessoas?
É este o seu vasto mundo?
Por que insiste sempre?

Serpente que come a própria cauda...

Por que não dá a cara a tapa?
Prefere pôr “a bunda na janela pra
passarem a mão nela?”
Janela de seu castro impenetrável,
Inatingível,
Fosso em volta
Jacarés
Ponte levadiça e tudo...

Por que escreve?
Por que continua a escrever?
Talvez seja mais fácil assim...

Talvez seja mais fácil
Voltar sempre pra casa
Com seu casaco no braço
Chapéu de lado
Cabeça vazia...
d-e-s-p-r-o-g-r-a-m-a-d-o

Talvez seja mais fácil
Viver assim
Abortando sonhos natimortos
Defuntos programados.

Anda.
Levanta e se liberta.
Sai do útero, pois o parto já demora demais.

EVOLUI!



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sexta-feira, 24 de junho de 2011

A 4 Mãos

                                                                                                   

     Trabalharia naquele domingo inteiro: projeto grande para finalizar e ser entregue no dia seguinte, necessário para tocar a vida pelos próximos 30 dias.
 
     A rotina: acordar cedo-banho quente-mesa da sala-café-trabalho-almoço-trabalho-talvez o futebol no rádio-trabalho-café-trabalho-café-trabalho, não seria novidade e não haveria tempo para nada mais ou para ninguém. Não queria saber se o dia estaria nublado, ensolarado, frio, quente ou chuvoso...sabia apenas que aquela bendita escola tinha que ficar pronta em poucas horas.

     E assim passou o dia.

     Pelas 10 e tanto percebe a filha de quase quatro anos chegar sonolenta, com o mesmo discurso de quase toda noite engatilhado na ponta da língua:

"Papai, conta uma estorinha?" 

     Mas, ao reparar no arsenal colorido de lápis, canetas e papéis espalhados pela mesa, muda para um esfuziante e animado:

"Papai! posso te ajudar a trabalhar?" 

     Ele, sem tirar os olhos do que fazia respondeu seco: 

"Não, minha filha...O papai precisa terminar este trabalho. Prometo que amanhã você me ajuda".

"MAMÃÃÃE..." ela gritou, "o papai não quer deixar eu trabalhar com ele..."

      A  palavra final veio de um dos quartos da casa, em voz abafada por cobertores, travesseiros e sono:

 "Deixa...assim ela se acalma e vai dormir logo...boa noite pra vocês..."
   
     Então deixou.

     Sem tirar os olhos do que fazia, disponibilizou papel, lápis, canetas e até um pedaço da mesa. Em poucos minutos escutou: 

"Papai, acabei. Vou dormir..." 

     Ganhou um beijo no rosto e o sossego que tanto queria.
 
"Boa noite filha".

     Já de madrugada, quando finalmente deixou de ser siamês com o trabalho e já recolhia todo o material espalhado pela mesa, parou atônito com a "obra" da filha bem debaixo de seus olhos. 

     Ela havia absorvido, em cinco minutos, um esforço seu de dias. Expôs à sua maneira, com linhas irregulares mas francas e honestas o que havia observado na confusão daquela mesa de jantar transformada em home-office dominical.

     Bateu um regret instantâneo: por que diabos não desgrudou os olhos do que fazia por meros 30 segundos na hora em que aquele desenho ficara pronto? 

     Agora estava tarde demais para o amasso, para o cheiro no cangote e para milhares de outras coisas que um pai orgulhoso faria. Contentou-se com visita rápida ao quarto para um beijo na testa de quem fora tão brilhante e que já ia distante no mundo dos sonhos.

    Deitou-se contente e realizado, pensando em qual seria o próximo "trabalho" que fariam juntos, a quatro mãos.


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quinta-feira, 16 de junho de 2011

Montanha

Sinto-me vivo, pulsante, vibrante,
E no entanto sou, ao mesmo tempo,
Montanha em país muito frio:
Imponente e coberto de gelo.

Gelo que derrete ao sol
De cada idéia nova, tornado em
Água que escorre pelas encostas,
Infiltrando-se por fissuras na pedra,
Em rugas imemoriais
Adormecendo em interior quente
E confortável até
O frio chegar novamente.

A água volta ao gelo e se expande
Com força sem igual na face da Terra
(ou em seu interior)
Explode as fissuras em milhões de pedaços,
Me esfarela.

E eu, Montanha,
Morro aos poucos agora,
Com o corpo rachado e o
Interior exposto em frestas,
À mercê de outros sóis,
De outros gelos e outras águas,
À espera da intempérie final.

Desgaste...


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quarta-feira, 15 de junho de 2011

Liberdade e Coragem

Sua foto que vislumbrei
Por acaso
Hoje estampa
Minha manchete pessoal.

Está linda como sempre,
Brilhante como nunca,
E intensa.

O que me incomoda lá
Na foto
A ponto de anestesiar
Braços
Pernas,
Movimentos
E pensamentos
É o fundo-paisagem
Que te emoldura:

Claramente não está
Mais aqui.

Claramente, o anfiteatro
Que se abre atrás de você
Mostra que está solta
No mundo,
Livre.
Como sempre foi.

Claramente te perdi.

Liberdade...

Palavra que me assalta
Diariamente,
Que me bate na face,
Dizendo: "estou aqui, me pega!"

Palavra que me
É tão cara,
Em dois sentidos:

Cara por ser desejada,
Esperada,
Buscada.
Uma busca infrutífera,
Que esbarra em minha
Ferramentaria tão limitada.

A liberdade é cara para mim.

O preço a pagar é alto:
Não ter coragem para
Me libertar
Me custa a saúde,
Me custa a resistência
Pode me custar a vida.

Você, minha cara
Se libertou de mim.

E eu,
Ano e meio depois
Continuo preso a você,
"Por pensamentos e palavras
Atos e omissões,
Por minha culpa,
Minha tão grande culpa.
E peço aos anjos e santos(...)"
E à minha razão,
Neste anfiteatro
Que vislumbro,
Que me libertem
Da prisão
E da angústia
Que me governam.

Coragem e Liberdade.


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