"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Va Pensiero


     Não!
     Definitivamente: não!
     Não posso andar mais que dez minutos sem que a partir do segundo seguinte destrave-se minha máquina de pensar e ativem-se minhas conexões metafísicas.
     Todas. Em cadeia.
     Eu caminho de casa para o trabalho quase todos os dias exatos quarenta minutos quando então o estrago é feito. São dez minutos de paisagem e trinta no desvairio. Nesse meio tempo, penso em tudo que preciso: projeto, telefonema, texto e poema, onde vou almoçar, qual lado das ruas tem mais sombra, o que vai ser ou não vai ser no resto do dia, fim de semana, Natal, reveillon, vida toda e puf! Parece que ando em círculos.
      Já disse certa vez que que cansei-me de tentar ver poesia em tudo, que cansei-me de tentar tirar leite de todas as pedras do caminho, que cansei-me de tentar ver lirismo nessa viagem em mar revolto que é a vida.
     Cansei-me definitivamente de tentar ser Drummond ou Camões ou de pelo menos tentar dialogar com eles.
     Ontem, em particular, rompeu-se essa regra  e meu caminho foi diferente: tudo fluía, tudo soava bem, quase não havia carro, quase não havia moto nem coletivo. Era só eu, deslizando cidade afora no percurso Anchieta-Centro, fácil, fácil, como fazem os jogadores e a "bola" naquele esporte (um trem maluco) chamado "curling".
     Pensava o quanto havia parado de pautar minha vida e atitudes olhando para trás, para o que passou e para o que não realizei por conta e culpa absoluta de minhas mazelas pessoais. Pensava o quanto o passado nos atrai e nos segura.
     Para minha surpresa, pensava em quando meu pescoço perdera a capacidade de girar 180º...pensava que as coisas estavam começando a mudar.
     O caminho que antes era pesado ficou leve.
     O percurso que antes parecia ser todo feito como se fosse a travessia à pé de um rio ficou fácil.
     Bastou pavimentar minha estrada diária com a "softness" necessária para que tudo fluísse melhor.
     Bastou parar de olhar para baixo, para meus próprios pés (e umbigo) e passasse a olhar mais adiante, olhar para frente.
     Bastou parar de contar meus passos com meros e frios números e substituí-los pelas sílabas de orações ou de pensamentos edificantes. Para o bem do meu dia. Para o bem do meu futuro.
     Não sou mais escravo da nostalgia sem limites.
     A viagem no entanto, continua.
     Os desvairios também.
     Viagem com calmaria e pronto!
     Descubro a América e reinvento a roda todos os dias.
     Umas mil vezes.

     *Va Pensiero (Vai, pensamento) é o título do 3º ato da ópera Nabucco, de Giuseppe Verdi e é a música preferida de minha mãe. Retrata o conto nostálgico de escravos hebreus no exílio, às margens do rio Eufrates, na Babilônia.. Abaixo,  uma interpretação de Va Pensiero pelo Coro da Metropolitan Opera House de Nova York em 2002.




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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Todo Ouvidos


E a minha palavra anda solta,
Erra por aí,
Tem o céu da boca
Como limite.

Ainda assim eu falo:
seja por este nó em minha garganta;
seja por este meu olhar (para o) vazio;
seja por este meu corpo que anda ligeiro;
     e o corpo fala alto
seja por este meu pensamento a mil;
     de queixo empinado e dedo em riste
seja por minhas mãos frias, trêmulas e postas,
     nariz pro chão
     em oração.

Eu falo e penso e escuto.

Eu falo mais do que quero.
Eu penso mais do que posso.
Eu escuto mais do que devo.

Aliás,
Eu sou todo ouvidos.













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