"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

quarta-feira, 26 de março de 2014

Se eu fosse um nobre Egípcio


Se eu fosse um nobre Egípcio
Daqueles bem fodões mesmo,
Lá da antiguidade, 
Levaria comigo para a pirâmide
Um livro do Pedro Nava,
Uma entrevista da Adélia Prado,
Uma coletânea dos Gershwin,
Outra, do Clube da Esquina,
Uma maquete qualquer do Frank Lloyd Wright,
A risada de Luciane,
O perfume preferido de minha filha
E um bilhetinho seu.
Com desenho...

Levaria todos os meus defeitos
Pois podem servir de escambo
Num purgatório eventual.
Levaria qualidades também!
Vai que preciso de um Curriculum Vitae
Depois da morte...

Levaria as mais terrenas coisas:
Um vídeo do Victor contra o Tijuana,
As lembranças de todas as bobagens proferidas
Com os amigos vida toda...
Engraçadas ou constrangedoras.
Um postal antigo de Belo Horizonte
E um moderno...
Um postal de Chicago
Um de Lisboa
Um da Espanha
Um da Itália... 

Levaria minhas caneladas na vida,
Minhas pequenas corrupções
(se é que elas tem tamanho).

Levaria uns pecados bem cabeludos
Para tirar do fundo da gaveta do sarcófago
E me vangloriar de vez em quando.

Levaria um buquê das vergonhas alheias
Que todos sentiram por mim
E colocaria bem na entrada de minha câmara.

Deixaria no bolso
(bolso de múmia)
Umas fotos de família
Para derreterem e fundirem-se comigo
Quando finalmente
Eu virar pó
E me reintegrar
Ao universo.

(Acervo pessoal)






















P.S.: até a presente data, 26/08/2019, a Pirâmide não me "chamou", então fiz alguns acréscimos da bagagem final que devo levar comigo...



segunda-feira, 24 de março de 2014

Esperança


A esperança deve ser
Semeada em tempos de paz
Cultivada em tempos de crise
E colhida em tempos de tragédia
E caos.

Ela é o combustível da vida.

Deito-me cansado
Ao relento
Lento
Pelos  esforços repetidos,
Desperdiçados,
Mas consciente
De nunca tê-los
Realizado em vão.

Lá fora ventania.
As janelas batem.
E eu aqui dentro
Torcendo para o som
Da chuva chegar logo
E me embalar
Me preparar para a colheita
Que começa amanhã.
Ao nascer do sol.
 













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domingo, 9 de março de 2014

Eu Só Quero o Silêncio


Eu só quero o silêncio
Das minhas músicas preferidas.
Não o silêncio físico e auricular
Mas o silêncio e quietude que
Me trazem à alma.

Quero o silêncio que vem das pinturas de Hopper.

Eu só quero o silêncio
Das grimpas das montanhas de minha terra.
Não o silêncio da solidão e do isolamento
Mas o silêncio dos ventos de lá
Que penteiam cada fio de meus cabelos.

Quero o silêncio do interior das bolhas de sabão.

Eu só quero o silêncio
Dos afagos da mulher amada.
Não o silêncio da rotina e do conformismo
Mas o silêncio da conversa que travamos
No entendimento dos olhares.

Quero o silêncio que vem das páginas do meu livro de cabeceira.

Eu só quero o silêncio
Do segundo anterior à criação,
O silêncio que precedeu o caos,
O big bang,
A explosão do gol de placa.

Quero o silêncio que faço durante minhas conversas com Deus.

Eu só quero o silêncio
Do breve intervalo entre as palmas
De um aplauso intenso.

Eu só quero o silêncio
Da lágrima solitária que escorre
Pela emoção incontida.

Eu quero o silêncio
Da sensação de dever cumprido.

Eu quero o silêncio
Da paz de espírito.

Só não quero mais
O silêncio das reticências...


(Edward Hopper: Nighthawks - 1942. The Art Institute of Chicago-Wikipedia)












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