"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Coração Salva


O tempo não para.
O tempo voa e leva junto
Meus cabelos,
E alguns fios de esperança,
Minha tolerância,
Algumas mágoas
Alguns arrependimentos
Umas poucas certezas
E as lembranças todas que tenho.

São quatro horas da manhã
E ainda não dormi.
Pelo volume de coisas
Em que tenho pensado nos
Últimos dias, parece que não
Dormirei mais.

A vida urge.
Não há tempo para descanso
E ainda tenho muito o que fazer.

Urge a vida
E o meu coração anda muito acelerado.
Tão acelerado que faz esterno e
Costelas pulsarem junto,
E com eles todo o corpo.
E aí,
Aí eu não durmo.

O meu coração rápido
Pulsa
Roda
Bate
Espreme
Esperneia e
Puxa.
Me puxa acorrentado
Do atoleiro
Do mundinho
Da caixinha preta de música
Que insisto em dar corda
Todos os dias
Para ouvir sempre
A mesma melodia irritante.
E eu lá.
Na ponta dos pés
Braços em arco sobre a cabeça.
Rodando bêbado,
Tropeçando nos rodapés
E voltando sempre para o meio
Da pista.
Do meu egoísmo estéril
E fatal.

Vem e me salva o coração.
É ele que não me deixa dormir.
É ele que de tanto pulsar
Me joga para fora da cama
Me faz vibrar como um
Diapasão...
E eu vibro
Estalo as taças de cristal,
Quebro as vidraças,
Estouro tímpanos,
Rompo barreiras
Mas ainda bato a cabeça na
Última etapa
Última fronteira
Na vitrine do mundo real.

Às quatro horas da manhã
Sem dormir
É o coração quem me salva.
É ele quem tem razão.
















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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Minha mensagem de fim de ano


     Nesta época do ano não costumo escrever  muita coisa a não ser o trivial Feliz Natal e os "best wishes" tradicionais para familiares e amigos. Talvez por preguiça, talvez pela descoberta de que este período não represente motivo de tanta festa para muitas das pessoas que conheço. No meu caso por exemplo: sempre adorei Natal e detestei reveillon. Tenho meus motivos para isto assim como cada pessoa tem os seus para amá-los ou não.
     Na retrospectiva íntima que todos fazemos cada vez que o fim de ano se aproxima, é comum separarmos as coisas boas das coisas ruins dos últimos 12 meses, aí então medimos e firmamos nossas promessas e resoluções para o ano novo.
     Acho muito difícil fazer isto. Acho que o saldo final de todos os anos é sempre POSITIVO pois chegamos VIVOS aqui. Vencemos mais uma etapa.
     Se pensarmos bem vivemos em 1 dia um resumo de todos os 365 dias do ano, com direito a dramas, alegrias, decisões, atitudes, mancadas e experiências de toda sorte, responsáveis pelo mundaréu de sentimentos que nos governam.
     Acredito que cada momento vivido seja uma vitória. Que cada passo que damos é um passo à frente, que cada respirada, que cada sístole e diástole de nossos corações são edificantes. Que a experiência de vida por si própria nos abençoa com tudo que precisamos para sermos melhores a cada dia.
     É assim que construímos nossas esperanças de um ano novo melhor e invariavelmente, cheio de felicidades.
     Mas o que é felicidade afinal?
     Segundo o professor Antônio de Oliveira, um velho amigo, "felicidade é não fugir de nós mesmos."
     Steve Jobs no seu inesquecível discurso para os formandos de 2005 da Universidade de Stanford (EUA), dentre outras coisas importantes disse: "... acima de tudo, tenham a coragem de seguir seu coração e suas intuições, porque eles de alguma maneira já sabem o que vocês realmente desejam se tornar. Tudo mais é secundário."
     Acredito piamente que INTUIÇÃO é  a voz de Deus em nossos CORAÇÕES, sugerindo a toda hora os rumos que devemos tomar.
     Minha mensagem para o Natal e ano novo é esta: sejamos autênticos todos os dias. Sejamos honestos  consigo mesmos pois só dependemos disso para alcançarmos nossos anseios e expectativas.
     Não nos deixemos de lado e tão importante quanto isso é não deixar de se importar também com o próximo.
     Tenhamos sempre a consciência de que somos modelo e referência para todas as pessoas que nos cercam e que nossa missão no mundo é cumprir bem esse papel.
     Residem aí a nossa força e nossa fé para encarar um ano inteiro. 365 dias por ano.
     Feliz Natal!
     Feliz 2014!





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domingo, 8 de dezembro de 2013

sem título


Foi das piores semanas
Que passei na vida.
Cheia de encontros com
O que tenho de pior.
Com o melhor de mim
Escorrendo pelos dedos
Tal qual areia de ampulheta.
Reencontros com
Medos e reticências,
Além do existencialismo
Retrógrado,
Insistindo em voltar e
Se instalar...

Tudo ruim o tempo todo e hoje
É um péssimo dia para escrever.

Foi um sábado infernal
De calor e estresse.
Eu derretendo em suor
E em cálculos complexos
De volta aos bancos da escola
Tentando melhorar de vida
E a vida rolando lá fora,
Minha filha crescendo
E vivendo,
Logo ali mas longe de mim,
Desafiando olhares
Vencendo passarela.

Veio a chuva à tarde,
Torrencial e fria,
"I'll do my crying in the rain"
Prometi, cantando baixinho...
Não cumpri
E voltei pra casa bem seco.
O saldo do dia: um belo almoço
E uma pamonha.
Me senti um Rei...

Em casa,
Descansando,
Almoço e pamonha em mente
Vejo na TV a casa do Oscar
(Pedro do Rio),
Simples
Quase uma tenda.
Singela
Mínima
E impressionante.
Tão impressionante
Que me a(s)cendeu,
Que me trouxe às mãos
Caneta, papel
E poema,
Mesmo sendo hoje
Um péssimo dia para escrever.



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terça-feira, 12 de novembro de 2013

Sobre o que deixamos para trás (ou para frente).


"Papai, porque existem pessoas marrons e pessoas não marrons?"
    (Joana, aos 4 anos)

    Me peguei pensando nos últimos dias sobre o que deixamos de mensagem para as pessoas que nos cercam e, inevitavelmente, sobre o que deixaremos para trás quando partirmos deste mundo.
    No início me assustei: seria preocupação excessiva com a minha imagem perante os "outros"? Insegurança? A "idade" chegando? Pode até ser, mas este pensamento é fruto maior das reflexões de um pai sobre qual é a maneira mais adequada de se educar e instruir sua filha.
    Concluí que não há fórmula ou receita exata para isto.
    Nossa história, nossas relações familiares e amizades, nossa relação com o mundo e com o ambiente que nos cerca nos ensinam muito e o tempo todo, sem que, necessariamente, percebamos o quanto estamos aprendendo.
    Por conta dessa reflexão e ativando minha mania de vasculhar as lembranças e o passado, visitei pessoas com as quais convivi e que se foram, ora por conta da vida, ora por conta da morte. Percebi que carrego um pouco delas em tudo que sou e em tudo que faço. Isso vale também para aquelas pessoas presentes no dia a dia, pois conforme disse, não há regras a seguir.
    O tio Maurício, marido da tia Tita por exemplo: me viu fazendo palavras cruzadas quando tinha uns onze ou doze anos de idade. Eu usava letras de forma e ele deu a seguinte sugestão: ô Alex, faz o "D" desta maneira, senão ele fica parecendo um "O" ( pegou na minha mão e foi refazendo a letra).  Foi tão significativo, tão paternal, que até hoje eu me lembro dele sempre que faço um "D" com letra de forma. Ele está vivo em mim, diariamente, quase 20 anos depois de ter morrido.
    O outro tio Maurício, irmão de minha mãe, arquiteto com o qual trabalhei por 14 anos e que se foi há 8: são inúmeros os momentos em que o trago de volta durante o meu dia de trabalho. Não é raro pensar comigo mesmo: ô magrelo, inverte essa planta aqui e coisa e tal... como ele me dizia no escritório. Hoje em dia, quando vou pedir uma coisa para a minha filha ou chamá-la para ver algo, sempre solto um "ô magrela..."
    Ainda com a minha filha, sempre que preciso ser mais enérgico para chamar-lhe a atenção, o faço como meu pai fazia quando eu era criança: do nada me percebo estático, com a mesma expressão séria com a qual me olhava, e, se bobear, dizendo as mesmas palavras. Só não tenho os mesmos olhos verdes que ele tem... Falei isso hoje na hora do almoço e ele achou muita graça.
    Não perco a oportunidade de dizer às pessoas o que representam para mim, o quanto me ensinaram e ensinam e em que momento isso ocorreu. É gratificante para ambos.
    Ficaria horas a fio lembrando de fatos, situações e de muitas outras pessoas com as quais convivo ou convivi e que ajudaram a formar o que sou: parentes, amigos reais e virtuais, namoradas, professores, colegas de trabalho e, para não ser injusto e esquecer de alguém, paro por aqui.
    Hoje a Joana está com quase 8 anos e gosta das mesmas músicas que eu, quer ser arquiteta como eu, gosta de ser a goleira no futebol da escola e até torce (fanaticamente) pelo mesmo time. São coisas que podem mudar com os anos, mas o que importa é frisar o quanto uma criança nos observa e nos copia.
    Daí a reflexão.
    Daí as lembranças.
    Finalizando, percebo que somos uma colcha de retalhos, um mosaico, uma rapsódia composta pelo que colhemos da vida. Somos também aquilo que semeamos. Saber alinhavar todas as críticas e informações, juntar todas as lembranças boas e ruins e passá-las à frente de maneira responsável é a nossa mensagem, nossa música, nossa obra levando em conta o velho clichê:  "viver é uma arte."

P.S.: respondi à Joana dizendo que Deus fez as pessoas da mesma maneira como fez o restante da natureza. Que se ela observasse bem, veria árvores altas, baixas, umas mais tortas, outras mais retinhas, com folhas gordas, outras com folhas fininhas. Que se olhasse para os canteiros da Praça da Liberdade (estávamos lá na hora da pergunta), veria cada um com um tipo de flor e que todas elas combinadas, árvores e flores diferentes, formavam um conjunto bonito. Como seria sem graça se todas as árvores fossem iguais, pois as florestas não teriam surpresas. Como seria sem graça se os jardins tivessem flores de uma só cor, pois logo iríamos nos cansar de olhar para elas. Imagina então se as pessoas tivessem a mesma cara, mesma cor, os mesmos cabelos, a mesmas vozes...
Se a resposta teve efeito eu ainda não sei mas que teve "ajuda" de muita gente, isso teve...










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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Va Pensiero


     Não!
     Definitivamente: não!
     Não posso andar mais que dez minutos sem que a partir do segundo seguinte destrave-se minha máquina de pensar e ativem-se minhas conexões metafísicas.
     Todas. Em cadeia.
     Eu caminho de casa para o trabalho quase todos os dias exatos quarenta minutos quando então o estrago é feito. São dez minutos de paisagem e trinta no desvairio. Nesse meio tempo, penso em tudo que preciso: projeto, telefonema, texto e poema, onde vou almoçar, qual lado das ruas tem mais sombra, o que vai ser ou não vai ser no resto do dia, fim de semana, Natal, reveillon, vida toda e puf! Parece que ando em círculos.
      Já disse certa vez que que cansei-me de tentar ver poesia em tudo, que cansei-me de tentar tirar leite de todas as pedras do caminho, que cansei-me de tentar ver lirismo nessa viagem em mar revolto que é a vida.
     Cansei-me definitivamente de tentar ser Drummond ou Camões ou de pelo menos tentar dialogar com eles.
     Ontem, em particular, rompeu-se essa regra  e meu caminho foi diferente: tudo fluía, tudo soava bem, quase não havia carro, quase não havia moto nem coletivo. Era só eu, deslizando cidade afora no percurso Anchieta-Centro, fácil, fácil, como fazem os jogadores e a "bola" naquele esporte (um trem maluco) chamado "curling".
     Pensava o quanto havia parado de pautar minha vida e atitudes olhando para trás, para o que passou e para o que não realizei por conta e culpa absoluta de minhas mazelas pessoais. Pensava o quanto o passado nos atrai e nos segura.
     Para minha surpresa, pensava em quando meu pescoço perdera a capacidade de girar 180º...pensava que as coisas estavam começando a mudar.
     O caminho que antes era pesado ficou leve.
     O percurso que antes parecia ser todo feito como se fosse a travessia à pé de um rio ficou fácil.
     Bastou pavimentar minha estrada diária com a "softness" necessária para que tudo fluísse melhor.
     Bastou parar de olhar para baixo, para meus próprios pés (e umbigo) e passasse a olhar mais adiante, olhar para frente.
     Bastou parar de contar meus passos com meros e frios números e substituí-los pelas sílabas de orações ou de pensamentos edificantes. Para o bem do meu dia. Para o bem do meu futuro.
     Não sou mais escravo da nostalgia sem limites.
     A viagem no entanto, continua.
     Os desvairios também.
     Viagem com calmaria e pronto!
     Descubro a América e reinvento a roda todos os dias.
     Umas mil vezes.

     *Va Pensiero (Vai, pensamento) é o título do 3º ato da ópera Nabucco, de Giuseppe Verdi e é a música preferida de minha mãe. Retrata o conto nostálgico de escravos hebreus no exílio, às margens do rio Eufrates, na Babilônia.. Abaixo,  uma interpretação de Va Pensiero pelo Coro da Metropolitan Opera House de Nova York em 2002.




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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Todo Ouvidos


E a minha palavra anda solta,
Erra por aí,
Tem o céu da boca
Como limite.

Ainda assim eu falo:
seja por este nó em minha garganta;
seja por este meu olhar (para o) vazio;
seja por este meu corpo que anda ligeiro;
     e o corpo fala alto
seja por este meu pensamento a mil;
     de queixo empinado e dedo em riste
seja por minhas mãos frias, trêmulas e postas,
     nariz pro chão
     em oração.

Eu falo e penso e escuto.

Eu falo mais do que quero.
Eu penso mais do que posso.
Eu escuto mais do que devo.

Aliás,
Eu sou todo ouvidos.













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terça-feira, 17 de setembro de 2013

Ata-me!


Foca-me.
Toca-me.
Inspira-me.
Suspira-me.

Ata-me!
 
Assopra-me
Nos ouvidos
Vida
Quando estivermos
Nós
A sós
De ventres colados
Corações laçados
E olhares vidrados
Variados.

Ata-me depressa!

Porque a tua ausência
É também a minha ausência
E a tua urgência
É também a minha urgência
Em que tudo se renove,
Em que tudo quanto é parco
E miúdo cesse,
Enquanto nesse canto
Me agiganto,
Em saudade e
Pranto.

Saudade
De quem mal conheço
Mas em quem, há muito,
Me reconheço.












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domingo, 15 de setembro de 2013

Leaving August: A Casa dos Contos e Eu. E os Madredeus...



     Boa parte dos fins de semana de minha infância e adolescência foi passada na chácara de minha avó na Pampulha, onde a família inteira se reunia em uma época de aparente tranquilidade que deixou infinitas boas lembranças.
     Como éramos muitos, às vezes ocorria de a meninada não caber nos quartos e alguns de nós íamos de mala e cuia dormir na sala imensa, adornada com todas aquelas coisas típicas das casas das avós: móveis e objetos antigos de fazenda, louças coloridas a perder de vista, oratório barroco, fotos de santos, etc. Em meio a tudo isso, o que eu gostava mesmo era dos quadros de Ouro Preto, encomendados por minha avó ao pintor Wilson Vicente na primeira metade dos anos 70 justamente para compor a casa recém construída.
     Eram 3 grandes: Matriz de Nossa Senhora da Conceição; muros e portão de trás da Igreja de S. Francisco de Assis com N. Senhora das Mercês e Pico do Itacolomi ao fundo e uma vista da Casa dos Contos com S. Francisco de Paula lá no alto. Um pequeno: mostrava a chegada à Praça Tiradentes, com a Capela da Escola de Minas em primeiro plano e o Itacolomi ao longe. Havia outros também, de Santa Luzia, cidade natal da vovó, e uma foto grande de São João del Rey, terra do meu avô.
     Das vezes em que era escalado para dormir na sala, costumava observar essas pinturas até adormecer e sempre me prendia a atenção o quadro da Casa dos Contos, talvez pela imponência da construção, talvez pela luz da tarde representada com maestria pelo artista ou talvez pela figura solitária de um homem passando pela porta lateral do prédio.
     Quem era ele? O que estaria fazendo ali? Ia bater e chamar alguém? Estava só de passagem? E por que ali só tem aquela porta naquela construção tão gigante? O que mais intriga é que me pergunto tudo isso até hoje sempre que vejo o quadro.

Casa da Pampulha: eu e alguns primos na sala. Pintura Casa dos Contos (arquivo pessoal).
     Quando ouvia de minha mãe que aquela era a "Casa dos Contos de Ouro Preto", a minha  cabeça  de criança disparava tentando imaginar quais foram os "contos" que aquele local gerou para merecer tal denominação e o que aquele homem tinha a ver com tudo.
     Minha avó morreu em 1988 e pouco tempo depois a casa foi vendida. Tudo que havia nela foi repartido entre os herdeiros: minhas tias, meu tio e minha mãe. A maioria das coisas, inclusive os quadros, foram para a casa da tia Lanza em Rio Acima, menos um: a Casa dos Contos foi dada a mim como presente. Foi o meu quinhão na herança, um pedaço da minha infância e a lembrança da vovó Lôla que ficaria para sempre comigo. Estava com 17 anos.
     Pouco tempo depois passei no vestibular de arquitetura e finalmente conheci a casa que tanto me marcara. Descobri que os "contos" que ela representava não eram exatamente os que eu imaginava quando criança. Volto lá toda vez que visito Ouro Preto e faço sempre questão de tentar adivinhar o local exato em que o pintor se instalou para realizar a obra.
     Corte na linha do tempo: no começo de agosto deste ano fiquei sabendo que haveria um grande evento musical na cidade e que um dos meus grupos musicais preferidos - Os Madredeus, de Portugal - iria tocar gratuitamente na Igreja de S. Francisco de Assis no dia 30. A ansiedade explodiu e vinte dias antes do concerto eu já estava com a programação pronta na cabeça para aquela sexta-feira especial e recheada de outros compromissos importantes. Qualé! Os Madredeus eram muito mais importantes que todos e, além do mais, queria levar a Joana para seu primeiro show ao vivo com artistas famosos.
     Mas como eu conseguiria os ingressos e onde eles seriam distribuídos?
     Eis que a vida começa a botar as cartas na mesa: os ingressos teriam que ser retirados 2 horas antes da apresentação. Onde? Na Casa dos Contos!
     Pensava comigo: Putz...tá pra mim! Olha só a combinação: Madredeus (música de toda a vida), Igreja de São Francisco de Assis (monumento mundial de arquitetura) e Casa dos Contos (lembranças e lembranças...). Tinha que ir de qualquer jeito!
     Chegado o tão aguardado dia, duas horas antes de começar a distribuição das entradas já havia muita gente esperando na fila que começava na porta lateral, na bendita porta lateral da Casa dos Contos que tanto provocou meus pensamentos na infância!
     Seriam apenas 150 ingressos à disposição, nos informaram os organizadores do evento. Limitações impostas pelo Instituto de Patrimônio Histórico por conta da obra de arte em nível interplanetário que é S. Francisco de Assis não permitiam mais do que isto. Não importava. Na triagem o nosso número era 139, ou seja: estávamos dentro! Certeza absoluta! Uhu!
     A fila começou a andar, e a vida a colocar mais cartas na mesa. A porta bendita ia se aproximando e minha cabeça era só o quadro na casa da Pampulha, e era a figura solitária na porta, e era minha avó no sítio. Era muito filme passando na minha mente de uma só vez e um quase delírio de emoção que foi interrompido subitamente com a seguinte fala:  
     "ACABARAM-SE OS INGRESSOS! AGRADECEMOS A PACIÊNCIA DE TODOS E OS CONVIDAMOS PARA OS OUTROS EVENTOS QUE ACONTECEM SIMULTANEAMENTE NA CIDADE..." 
     Como assim acabaram-se os ingressos? Éramos o número 139 e havia 150 para distribuir!
     Diante de mim apenas a porta lateral da Casa dos Contos de Ouro Preto. Fechando-se. Atrás de mim "trocentas" pessoas se lamentando ou reclamando do número pequeno de entradas...
     E eu ali parado, incrédulo, com minha filha no colo, tentando balbuciar alguma coisa, pedir algum ingresso extra, rezando pra São Francisco, Santo Antônio, Chico Rei, São Longuinho, para qualquer um que pudesse me conceder a graça de não perder a viagem.
     Não teve jeito. Jantamos ali por perto e minha esposa e minha filha foram para o hotel fugindo do frio, enquanto eu segui sozinho para São Francisco à espera de algum milagre, que obviamente  não aconteceu.
     Acabei assistindo ao show de pé, através do telão montado do lado de fora da igreja, junto com aquelas "trocentas" pessoas.

Madredeus: S.Francisco externa e interna (Flickr MIMO). Externa 2 (arquivo pessoal).
     O cenário: à minha esquerda, São Francisco de Assis, por uma hora e pouco transformada em caixa de Pandora ou caverna de Platão, com os Madredeus lá dentro numa apresentação divina e impecável; à minha direita, o cemitério da igreja, me fazendo lembrar da única certeza que temos na vida. Acima, uma noite impoluta, com Escorpião descendo e Sagitário no zênite, ou seja: com o centro da galáxia exatamente sobre as nossas cabeças. Algo místico que aliviou um pouco a decepção por não ter conseguido entrar e de não ter chegado pelo menos 15 minutos mais cedo naquela fila.
     Se tivesse conseguido os ingressos, certamente viveria uma das maiores experiências da minha vida, mas ali, do lado de fora, com aquele cenário, ouvindo aquela música, debaixo daquele céu e refletindo sobre todos os acontecimentos que me levaram até aquele momento, acabei definitivamente me encontrando e descobrindo a identidade do homem solitário, para sempre congelado e a partir de agora incrédulo diante da porta lateral da Casa dos Contos de Ouro Preto.

Casa do Contos - ângulo impossível - A.W.C.Jr.

Link relacionado: http://alexandre-pontodefuga.blogspot.com.br/2013/08/os-madredeus-e-ouro-preto-e-eu.html

P.S. 1: No sábado passado, dia 20 de junho de 2020, recebi de presente 3 dos quadros que mencionei acima. Quem fez essa surpresa foi minha prima Mariângela, filha da tia Lanza. 
Fiquei extremamente emocionado com a generosidade dela, que repetiu a mãe em outra passagem da minha vida, que merece um post futuro. Eis os quadros:



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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Dor Bendita

(às almas irmãs)

O teu silêncio me maltrata.
A tua distância me agonia.
A tua essência me arrebata.
A tua existência me alumia.

O teu falar? É um mistério.
O teu sorrir? É sem igual.
O teu calar? É impropério.
O meu fugir? É anormal.

Aonde andas que não te vejo?
Não te procuro pra não te ver.
Tateio o escuro e me protejo
Da dor bendita que é te querer.















 (Imagem: http://drawasamaniac.com/2012/12/brilliant-works-by-pavel-guzenko.html)

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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Ciranda


Passa passa
Passa
Tempo
Tempo que
Não passa
Fica.

Quem fica em
Não passa bem
E passa tudo
Que passa bem.

Passa noite
Passa dia
Passa pranto
E problema
Gira o mundo
Roda viva
Vai pessoa
Vem poema...


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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Instantâneo Amor


Funciona assim
Na minha cabeça:
Te vejo
Te beijo
E vivemos.
Para todo o sempre
Amém!

O Beijo - Gustav Klimt - 1908 (detalhe)












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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Quarenta e Dois


Lá fora venta
Frio e Forte
Há pelo menos
Quatro horas.

O prédio resiste bem
Às rajadas.
Sequer balança.

As janelas,
Estas sim batem e sopram
Esquadrias em percussão,
Uivam por todas as frestas:

São meus olhos.
São meus ouvidos.
É o mundo inteiro
Vindo bater em minha porta.
Procissão de sentimentos
Coisas e
Gente.

Primeiro lugar na fila e
Primeira a bater: a Felicidade.
É ela também quem encerra tudo.

No meio estão:
Família
Gratidão
Amor
Esperança
Humildade
Carinho
Caridade
Paz
Saúde
Alegria
Harmonia

E todas as pessoas
Que nunca deveriam morrer um dia...

Lá fora o vento,
Sempre presente
Sempre mudando:
Ora jogando poeira
Em meus olhos
Ora trazendo alívio
Para o calor das idéias
Ora ventando somente
Agitando folhas
Desenhando com som
Uma árvore frondosa
De frutos maduros.










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domingo, 11 de agosto de 2013

Os Madredeus e Ouro Preto. E eu.




     E não é que terei a chance de ver os Madredeus ao vivo?
     E em Ouro Preto.
     E em São Francisco de Assis!
     Uma jóia da música, numa jóia de cidade, numa jóia do barroco das Américas.
     Eles vem para o MIMO, festival internacional de música, realizado em cidades que preservam bens e valores históricos do Brasil. Neste ano as apresentações serão também em Olinda (PE), Paraty (RJ). (http://www.mimo.art.br/festival)
     Música boa tem o poder de me curar de qualquer coisa, seja física ou emocional, e os Madredeus são simplesmente parte da trilha sonora de minha vida. Junto com os noruegueses do A-ha e os Kings of Convenience, com os meus queridíssimos Gershwins e Cole Porter, além do indefectível movimento Clube da Esquina, são peça chave do acervo sonoro que eu certamente salvaria de um naufrágio e levaria para uma ilha deserta, mesmo sabendo que não os escutaria nunca mais por lá não ter player nem energia elétrica.
     Pois é, quando escuto essa turma me transporto automaticamente para a ilha deserta mais próxima...
     Uma quase tatoo auditiva.
     Os Madredeus tem projeção mundial. O seu trabalho combina elementos da música portuguesa tradicional com a popular contemporânea e, na sua mais recente formação, algum flerte com a música erudita.
     Falando em formação, a vocalista mudou. Saiu  Teresa Salgueiro que era praticamente a personificação do grupo e entrou  Beatriz Nunes, egressa do canto lírico e com uma responsabilidade enorme pela frente: repetir todo o repertório consagrado por sua antecessora com novo estilo, com nova graça, com nova energia. Pelo que tenho visto e escutado, tem dado certo.
     Da formação original, de 1985 só restou o fundador, Pedro Ayres de Magalhães com sua guitarra clássica, responsável pela maioria das composições e arranjos. Na minha modesta opinião de fã, um grande músico e poeta de mão cheia. (http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,festival-mimo-traz-grupo-madredeus-ao-brasil,1057211,0.htm)
     Vamos lá então, singrar o "mar de morros" lutar pelas entradas e tentar encaixar esta apresentação entre as minhas responsabilidades habituais do dia 30 de agosto, plena sexta-feira e o sábado, 31, também dia de agenda cheia.
     Abaixo, trecho de concerto da nova formação dos Madredeus em Basel (Suíça), com "A Estrada da Montanha", canção recente e "Vem", do álbum O Espírito da Paz, de 1994.



Ver também: http://alexandre-pontodefuga.blogspot.com.br/2013/09/leaving-august-casa-dos-contos-e-eu-e.html


quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Os Olhos Negros de Carolina


Olhos que buscam
Olhos negros
E vivos

Olhos que buscam
Olhos negros
Que passam

Olhos que buscam
Olhos negros
E fixos

Em outro olhar
Em outro pensamento
Em outro momento
Ou dimensão

Olhos que buscam
Meus
Olhos que buscam

Os olhos
Que não me veem

Olhos que
Vazios
Me buscam

Conteúdo
Cor
Ação

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domingo, 4 de agosto de 2013

Leaving July


Prefácio do mês de meus anos
Julho ficou para trás
E quase não orei.
No máximo lembrei-me
Do Cordeiro de passagem.
Com suas devidas
Consequências...

Nada tenho a dizer
A não ser
Que quando abri
Minha boca e falei,
Errei.
Que quando fechei
Minha boca e calei,
Venci.
Que quando abri
Meus olhos e enxerguei,
Nasci.

Fim de Julho de 2013.
Dizer o que?
(Viva o Galo!) 
No máximo, sorte no jogo.
Com suas devidas (e sabidas)
Consequências.

Foto: Estado de Minas.



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segunda-feira, 22 de julho de 2013

O Telhado


Chuva.
Telhado.
Goteiras.
Baldes.
Chão molhado.
Piso estragado.

Chuva passa.
Conserto o chão.
Tempo passa.

Chuva.
Telhado.
Goteiras.
Baldes.
Chão molhado.
Piso estragado.

Chuva passa.

Preciso consertar
O telhado.


Telhados em Buenos Aires-dez.2012-A.W.C.Jr.







quinta-feira, 18 de julho de 2013

Árvore no Caminho de Itabira


Árvore no caminho de Itabira.
Tal qual a pedra no caminho do poeta
Faz-me pensar e a mente gira
À medida em que o carro singra a reta.

Não sei se fica antes ou depois
Da Brejaúba, fazenda maior de Minas,
Sei que fica lá, sem par nem dois,
Assentada na encosta das colinas.

É como toda árvore deveria ser:
Altiva, frondosa, imperial,
Não sou como deveria ser:
Falta saber o principal.

2004
















domingo, 14 de julho de 2013

Leaving June (p.u.n.k.)


Eu me canso às vezes
De tentar ver poesia
Na rotina
Na adversidade
No corriqueiro
Na aridez
No revés.

Isso mascara
A realidade da vida.
A mente vicia e pode se tornar
Anarquista,
Altamente treinada em eterna negação:
"Se hay gobierno, soy contra!"

Quando tudo está mal
Enxerga o belo, traz
Alívio paliativo.
Passageiro.
Não combate o verdadeiro problema.

Quando tudo está bem
Enxerga o pior, traz
Dúvida e desconfiança.
Não acredita em si.
Não dá solidez ao momento.

Na rotina
Na adversidade
No corriqueiro
Na aridez
No revés
Não posso mais enxergar beleza.
Não tenho mais tempo.

Tenho que fazer disto
Estrada
Escada
Caminho
Para ser feliz.

Eu vejo o mundo à minha frente
Com todos esses caminhos.

Todos os dias.

 



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quinta-feira, 20 de junho de 2013

O Portinari


    Minha mãe sempre falava de sua primeira visita à Pampulha no fim dos anos 1940, ainda criança, com seus pais. Falava dos três em frente ao painel de azulejos da Igreja de São Francisco e de meus avós admirados com o arrojo da arquitetura de Niemeyer e com a ousadia das pinturas de Portinari
    Ela, do alto de sua infância não entendia como figuras tão deformadas e assustadoras poderiam ser bonitas.
    Passei a vida inteira ouvindo essas e outras histórias sempre ligadas ao interesse de meus avós por arte e cultura e de como transmitiam tal interesse para os filhos. Posteriormente vieram outras histórias contadas por ela sobre o tio e o irmão, ambos arquitetos.
    Todo esse fabulário contribuiu muito para o caminho profissional que escolhi.
    Agosto de 2011:
    A escola, neste ano, desenvolvia seu currículo apoiando-se nas obras dos maiores expoentes da arte brasileira, entre eles Cândido Portinari, Alfredo Volpi, Tarsila do Amaral e outros.
    Os assuntos, no caminho de volta para casa ou à noite na resenha familiar eram sempre sobre eles:
-Papai, você sabia que o Portinari morreu por causa do cheiro das tintas que ele usava?
    Ou então:
-Papai, você sabia que o Volpi pintava um monte de bandeirolas coloridas?
    E ainda:
-Papai, você sabia que a Tarsila do Amaral pintou uma mulher que tinha uma perna enooooorme?
    E finalmente:
-Papai, eu quero ser pintora! 
    O pai, entusiasmado, disparou:
-Filhota, no próximo fim de semana vamos à Pampulha para ver os desenhos e pinturas na igrejinha, combinado?
    E em meio a beijos e mimos firmaram compromisso inadiável para dali a poucos dias.
    Na verdade passaram-se vários fins de semana quando finalmente houve o passeio e lá se foram pai, mãe, filha e avó para ver e rever o conjunto da Pampulha.
    No início ela não deu muita importância para a igrejinha. As mil bicicletas, as pessoas fotografando, as crianças brincando na pracinha, os sons do parque de diversão e os vendedores ambulantes pareciam muito mais mais interessantes e atraentes, quando de repente deparou-se com o enorme painel de azulejos bem na sua frente.   
    Arregalou os olhos e reconheceu imediatamente as figuras que viu na escola. Falou aos berros dos peixes, do Santo, do cachorro que parecia lobo, das aves, das linhas curvas. Achou a coisa mais bacana do universo a assinatura do artista bem no cantinho da obra: "C. Portinari".
    Aprendeu lá, na hora, que tudo aquilo se relacionava: os azulejos, as curvas da igreja, as curvas da pintura, as curvas da lagoa, as curvas dos canteiros e que tudo aquilo era muito importante para a cidade, para o país, para o mundo.
    -Nossa papai, eu vou ser pintora! Vamos entrar logo papai, vamos?
    Entraram e foi como se chegassem a outro mundo, a uma outra dimensão, inundada por luz, música de fundo e arte.
    Só estavam os dois e o tempo ficou outro (Einstein explica).
    A primeira e mais longa parada foi de mãos dadas com o pai em frente ao majestoso afresco do altar: infindáveis 40 ou 50 segundos de admiração, o que é uma eternidade para criança de 5 anos.
    Observou e comentou tudo: o Santo que parecia um gigante enrugado, um outro cachorro, as formas geométricas mescladas com pessoas, a assinatura do Portinari e, no final, falou que estava com medo.
    Era muito impactante.
    Soltou da mão e foi ver os quadros da Via Sacra. Um por um. Perguntou se contavam alguma história e escutou-a.
    Correu para o batistério e rolou o corpo pelos bronzes do Ceschiatti. Fez pique-esconde...
    Olhou para cima e falou que o teto parecia chão de casa antiga.
    Olhou para baixo e viu lagoa entrando na nave nas curvas desenhadas no piso.
    Olhou para fora e perguntou por que não conseguia ouvir as pessoas do lado de lá dos vidros.
    Até que saíram.
    A menina, animadíssima, correu para contar à mãe e à avó o que tinha visto lá dentro. Colaram as três o rosto no vidro e ouviram dela todo o relato.
    No final a avó (a criança lá do primeiro parágrafo) pergunta:
-Então quer dizer que você gostou de tudo que viu hoje?
    E a menina responde, olhando para baixo, riscando o chão com a ponta do pé:
-Só não gostei de uma coisa: é que eu acho que o Portinari pinta melhor do que eu...



   


















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sábado, 15 de junho de 2013

sem título II


Pernoitar amor
Amanhecer entorpecido
Por não ter adormecido

Pensamento amortecido
Nas teias do acontecido
Ter coração prevenido.

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Sobre Ontem à Noite


Apartamento vazio.
Quarto quieto.
Uma vontade imensa
De dizer: te amo!

Abro os olhos e encaro
A cama desarrumada,
Retrato de nossa
Passagem,
De nosso amor
De nossa noite
Anterior à sua partida.

Suas fotos pelos móveis
E paredes
Já não me bastam.

Durmo abraçado
Ao seu travesseiro
Ao seu cheiro
À sua lembrança...

Tenho ainda mais vontade
De dizer: TE AMO!
Para obter a resposta
De sempre:
“TE AMO MUITO!”

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terça-feira, 11 de junho de 2013

Não Cabe Em Mim


Não cabe em mim
O grito
Gutural
Visceral.

Não cabe em mim
O gesto
Infante
Primordial.

Não cabe em mim
O afago
Suave
Natural.

Não cabe em mim
O beijo
Intenso
Animal.

Não cabe em mim,
Não cabe.
Amor,
Em mim,
Não acabe.


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segunda-feira, 10 de junho de 2013

domingo, 2 de junho de 2013

Leaving May (soulmate)


O meu desejo hoje
Era escrever-te o poema
Olhando nos olhos...

Os muitos maios que vivi
No entanto
Me dizem: não!
Escreve-o d'outra forma,
Olha só o coração!
E assim, obediente,
O faço.

Ainda que como arquiteto
Não me saia fácil um projeto,
Tampouco fácil me sai
Um poema...

Eu sou o que escrevo.
Eu escrevo o que sou.
Soul.
Sem tirar,
Nem por.

E assim me dou,
A ti, soulmate...

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terça-feira, 28 de maio de 2013

Inco-insistência


É por não querer
Te olhar
Que te vejo.

É por não querer
Te achar
Que te procuro.

É por não querer
Te querer
Que te cobiço.

É por não querer
Te amar
Que te amo!

É
Por
Não
Querer (te)
Que
Eu (te)
Morro.


Morro Vermelho, MG.













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segunda-feira, 27 de maio de 2013

Olhar Seu Olhar


Eu caminho ruafora
Cabeça baixa
Olhandochão
Pra nunca ver
Olhar
Procurar (e achar)
Seu olhar
Nos olhos mil
Que ve(e)m
Passando
Voando
Enxame em
Minha direção.











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sexta-feira, 24 de maio de 2013

Rede, Estrelas, Pensamentos e Flores


Sinceramente,
Não sei se passo
Ou se lhe dou
Um beijo.

Não sei se
Lhe mando flores
Ou se lhe digo
Flores.

Não sei se
Converso
Ou se desconverso.

Não sei se
Sinto
Ou não sinto.

Sinceramente,

Sinto.

Garota que vem do Sul,
Desce da rede!
Deixa as estrelas em paz!
Olhando-as dessa maneira
Você não sabe do é capaz.

É bem provável que
Uma delas você atraia
Em forma de estrela cadente
E eu, deitado na praia,
Perdido em coisas da mente,
Na hora exata em que ela caia
Farei um pedido somente:

Menina, desce da rede
Venha pensar comigo...
No fundo do coração
Há um lugar alto,
Um bosque de eucaliptos
E alguém para
Sempre dizer
Flores
Ao pé do seu ouvido.

(Goiânia-1997)


















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quinta-feira, 16 de maio de 2013

Leaving April (Beauty and the Beast)


É exatamente porque vivemos
Entre as feras
Que devemos nos juntar a elas.

Seja no trabalho
Na escola ou
Na própria família,
As feras estão à solta
Com as mais diversas caras
As mais diversas aparências

Nos exigindo
Nos demandando força
E disposição.

Não importa se ela é bonitinha
Não importa se ela é horrenda
Não importa se é criança ou adulto
As melhores caras
Os menores corpos
Podem esconder as maiores feras.

Fera é fera.
E neste caso o que vale
É a fera I-N-T-E-R-I-O-R.

Então? Como elas atacam?
Mostrando todos os dentes.
Como devemos "atacar"?
Mostrando todos os dentes
Em sorriso confiante que
Desarma e conquista.

E que não falemos mais em
Matar um leão por dia,
Porque isso é atentar
Contra a própria espécie,
Contra a própria vida,
Contra o que devemos sempre ser:

Feras.














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segunda-feira, 6 de maio de 2013

B.H. 4:30 A.M.


Um trem inaugura as manhãs
Em Belo Horizonte.
Ele vem do Leste
Quando ainda é escuro
E a cidade está quieta.

Ele vem do oriente
Onde o sol nasce
Porém, vem mais rápido
Que o sol.

Passou por terras onde
Já é dia,
Vem rangendo trilhos
Chicoteando vagões lotados
Que trazem
Em seu bojo os sons,
O movimento de uma cidade
Despertando:

Carros ao longe
Ônibus iniciando viagens
Motocicletas
Vozes descendo a rua
Passos
Burburinho distante
Os primeiros pássaros...
Os primeiros passos
Do dia.

Tudo isto acondicionado
Em cada vagão.

O trem finalmente vem
Passa a Estação Central
E dispara seu apito poderoso
...........................................!

Cruza a Januária,
Os ruídos aumentam
E cada vagão que passa
(Sob os olhos atentos do Conde)
Libera para o ar
Toda a sua carga sonora.

Um de cada vez:
Primeiro os carros ao longe
Os ônibus, motocicletas...
E o último
A carga dourada
Dos primeiros raios
De aurora.

O trem passa direto
Segue para o Oeste
Onde o dia ainda não nasceu
Leva consigo carga renovada
E mais uma cidade
Acordada.

Em ação.

E o dia chega
Então.




B.H. Rua Januária, anos 1920. Ao fundo, rua da Bahia.














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quinta-feira, 4 de abril de 2013

fonte da saudade


eu sinto uma saudade crônica
saudade não sei mais de quê
saudade que vem co'uma tônica
de ser sempre eu e você

saudade a coisa esquisita
saudade não sai do lugar
saudade o mito fabrica
de ter por quem sempre esperar

saudade de quem já partiu
saudade de quem já não vem
saudade a vida atraiu
pro peito o peito de outrem

quisera não ter mais saudade
quisera não ter que lembrar
quisera ter serenidade
quisera parar de amar

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quarta-feira, 3 de abril de 2013

Dia Negro VI - Luz


Deus, neste ano de 2001
Mostrou-me sua face
Através de uma pessoa querida
Que me ensinou muito...

Passei a vê-Lo
Em atitudes
Nos fatos e
Na seqüência
Dos acontecimentos.

Deus está presente
Em tudo
E principalmente
Em nossos atos.

Nossa intuição é Deus
Que nos guia,
Que nos providencia

Para fazermos
De tudo.

Para seguirmos em frente.............


"O Semeador" - Van Gogh (1880)

quarta-feira, 27 de março de 2013

Paralela


A calçada estreita e reta
Da rua Campanha
É lança afiada
Atravessada
Em meu peito
Que verte memórias
Nascidas
Vividas
E adormecidas
A uma paralela dali.



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sábado, 23 de março de 2013

Leaving March ou O Samba do Crioulo Doido


Enchi o saco de mim mesmo.
Tentei ser quem não era,
Não fui um,
Nem outro
E a vida se encarregou
Do resto.

Cuspindo cacos de dentes
E deixando ao largo
Memórias secas e esfareladas
Como as migalhas
De João e Maria,
Singro a pé
O bairro Anchieta.

Sangro os pés
Numa via sacra maldita
Samba
De uma nota só,
De instrumento só
Reco reco
Reco reco meço
Recomeço...
Reco reco
Reco reco meço
Recomeço...

E meço.

Meço todas as distâncias,
Meço todos os caminhos,
Meço todas as sombras,
Meço as ruas e avenidas,
Meço a altura dos prédios,
E o que resta de casas,
Meço as pessoas
E suas conversas.

Meço o imensurável,
Palmo a palmo,
Tim tim por tim tim
A cada passo um
Pensamento,
Uma lembrança,
E uma lambança.

Ao reco reco meço
Junta-se agora instrumento outro:
Tamborim surdo tarol,
Caixa toráxica de percussão
E repercussão:

Mestre Sala
Meu Coração.


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sexta-feira, 22 de março de 2013

Meu Coração Disparou


Um dia fui passear
De avião
E disparou meu
Coração!
Então, comecei
A fazer uma
Oração.

Um dia me deitei
No chão
E vi no céu um
Grande anel.
Então, desenhei
No papel.

Joana Lessa Campos
(para o sarau da escola - 21-03-2013)




 

terça-feira, 19 de março de 2013

Decreto


Decreto hoje que,
Por questão de sobrevivência,
Não interiorizarei mais
As minhas saudades.

Impermeabilizarei
O cérebro
Para que fiquem
Todas  contidas
No campo da razão.
O mais distante possível
Do coração.

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domingo, 17 de março de 2013

Barra Longa


Barra Longa
E pesada
De solidão latente,
Presente...
Cidade pequena
Coração pequeno...

A veia grossa
Na testa denuncia:
Algo não vai bem...

Vago as ruas
Desertas
Paralelas ao Gualaxo
Cheio de chuva.
Não há transversais,
Só uma única via
A escolher:
Se errar...
Errei
Erro
Ermo

Noitescura...


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terça-feira, 12 de março de 2013

Procissão da Vida


Das flores
E dos amores,
Canto as dores
E ardores
Em milhões de cores
Odoresabores
De corações estertores
Carregando andores

Santos de barro
Levados
Na procissão
Da vida....................



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terça-feira, 5 de março de 2013

Leaving February (shooting star)


Uma vida inteira
Acreditando e esperando
Que a solução para todas as coisas
Caísse do céu bem em cima
De meu colo
Assentado e
Descansado.

Fevereiro mostrou que
Nada cai do céu,
Que o milagre não vem
Do espaço.

Fevereiro mostrou que
Pedras sim, caem do céu.
Do céu da Rússia
Ou do céu da minha boca.

Fevereiro mostrou que
Não há brilho sem
Atrito.
Que o brilho do meteoro
Vem do atrito.
Que o brilho da prataria
Vem do atrito.
Que a lapidação dos brilhantes
É uma forma de atrito.

Fevereiro mostrou que
Depois do atrito
E do brilho,
Há deslocamento
Explosão shockwave
E rompimento.

E que rompimentos libertam.

Fevereiro mostrou que
Não se joga pedra em telhado alheio,
E que o meu é de vidro.

Fevereiro passou,
Estrela (de)cadente.

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sábado, 16 de fevereiro de 2013

Aquelas Flores na Estrada (Catas Altas)


O que me lembra Catas Altas?

A igreja imensa,
Igual a mim por dentro:
Partes prontas
Semiprontas
Verdades nuas e cruas,
Às vezes aberta para o povo
Entrar e olhar, sem pagar...

A maior montanha do mundo,
Do tamanho dos medos todos
Que tenho.
Tão bela quanto os sonhos todos
Que tenho.
Tão grande quanto a força toda
Que quero ter...

A capela isolada na colina,
A gente brincando de posar
De profetas no adro:
Cena única na paisagem,
Assim como sou único
Com a paisagem...

Catas Altas, local do primeiro
Ouro das Gerais:
Foi lá que vi Raquel,
Foi lá que cantei de cor
Bem na fonte
As músicas do Clube do Lô
E finalmente as entendi...

Indo pra lá eu vi
Aquelas Flores na Estrada,
Todas as minhas flores,
Toda a minha estrada,
Tudo descoberta
Tudo primeira vez...

No calor do vinho
A consagração da amizade
E a sensação de sempre
Ter estado ali...

Maio 2004.


Maio 2004

Maio 2005

Outubro 2008




 

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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Luna


Serena...
Serena...
Seu rosto
Lua plena
Luna llena
A iluminar
O peito
A duras penas
Palpitar.

Saltita
Crepita
Lá dentro
A chama da paixão
Ou talvez mais um
Senão
A me avisar
A me ensinar
O não.

Gira o mundo
Roda a vida
A esquina passa
A vista embaça
O ouvido apita
A voz não grita
O peito agita.

E fim.

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domingo, 10 de fevereiro de 2013

Valha-me Deus


Valha-me Deus
Com graças
A alma que em
Mim habita
Todo susto
Que ela passa,
Cada vez
Que ela grita.
Valha-me Deus
Com graças
A alma que em
Mim habita.

Valha-me Deus
Com graças
A força que em
Mim suscita,
Toda vez que
A sorte é escassa,
Toda vez que
A vida agita.
Valha-me Deus
Com graças
A força que em
Mim suscita.

Valha-me Deus
Com forças
A graça
Que Ela suscita
Toda vida que
Ela passa,
Minha vida
Que Ela agita.
Valha-me Deus
Com forças
A graça
Que Ela suscita.















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sábado, 26 de janeiro de 2013

Leaving January (forward)


De Belo já não sei
O que tenho
O que falo
O que faço.

Porque tudo agora tende ao funcional
E só se busca lucro e vantagem
E superficialidades.

O Horizonte já não sei
Onde está
Onde olhar
Onde vai parar.

Porque o voo agora é na vertical
E só vejo céu sol nuvem lua
E estrelas pela frente.

A ordem é não olhar para trás.
Não posso mais ter saudade
Da vida que descartei.
Não posso mais me valer
Daquilo que nunca tive.
Não posso mais me arrepender
Dos erros que não cometi.

De Belo (e) Horizonte ficam
O chão em que hoje piso
A terra em que nasci
A estrada que até agora percorri.
 

Edward Hopper, An excursion into philosophy, 1959.

















 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

(In)Farto


Estou farto de saber
Quem sou
Mas as pessoas ao redor
Insistem em me lembrar.
Algumas com jeito,
Outras, sem jeito algum.
O fato é que estou farto
De me saber.

Me encontro sempre
E a toda hora
Nas torneiras que uso pela manhã,
Nas portas abertas maçanetas acionadas com cuidado,
No meu reflexo rosto inchado dentro do copo d'água
Ou num olho só reprisado por falta de espaço para o resto
Dentro do copinho de café.
Sou eu pelos caminhos de casa,
Seguindo com os olhos os rodapés
Ou a risca dos rejuntes do piso
Quartobanheirocozinhaquartosalarua...

Eu sou! a maneira como me apoio
Em uma das pernas
Lavando a louça
Esperando o ônibus
Ou mofando em fila qualquer...
Eu estou lá, sou eu!
Eu sei!

Sei quem sou em cada gesto
Fala atitude.
Desenhando escrevendo trabalhando
Pensando falando
Me dirigindo às pessoas
E as ouvindo
Dirigindo o carro ou minha vida.
E nisso tudo sou tão eu...

Queria me ver e me saber
Amando de novo
Pois da última vez
Quase não soube
Ou pouco me vi
Pois os espelhos não me suportaram,
As noites foram cegas
E os resultados obscuros.
Mesmo assim
Fui eu.

Me vejo aqui agora
(In)Farto do miocárdio
Matando tempo e pensamentos
Matando esperanças velhas
Criando esperanças novas,
Sendo tão eu
Quanto sempre fui.

Eu sou assim e pronto!




















Primeiro desenho meu feito pela Joana. 2008 - "Eu sou assim."

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Os Ombros Suportam o Mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.



Carlos Drummond de Andrade


 

 








  

Os versos acima foram publicados originalmente no livro "Sentimento do Mundo", Irmãos Pongetti - Rio de Janeiro, 1940.  Foram extraídos do livro "Nova Reunião", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1985, pág. 78. 
Foto: http://leituradomundofantasticodebob.blogspot.com.br/2012/11/eu-etiqueta.html

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