"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Solidão e Déjà Vu

Num dia de pressentimentos
Desde o início do dia,

Num dia em que vi minha tia,
Tão triste
Desde o início do dia,
Não sei se pelo peso das sacolas,
Ou por saber de minha história,
Ou então pelos problemas de lá...

Num dia em que deixei minha noiva chorando,
Cheia do mundo,
Cheia dos outros,
Cheia de nada por dentro,

Num dia de nuvem-aura escura e baixa,
Dentro de mim e de minha casa,
Desde o início do dia,
Leio pela enésima vez um livro
Que me arrebata sempre: Pedro Nava...

Num dia de noite insone,
Minha cama no sofá da sala,
Sem saber se vou a Norte Sul Leste Oeste,
Se piloto ou Co-piloto,
Se caso ou compro bicicleta,

Num dia de infiltração no pulso esquerdo,
De pulso direito rodilhando mão e letras
E solidão...

Num dia em que vejo todos em casa sós,
Minha tia só, minha noiva só, eu sozinho,
Diinteiro e noitinteira,
Peço a Deus que venha e vele,
Pule de ouvido em ouvido sussurrando a todos
O que fazer do dia seguinte,
Desde o início...
Só.
 
  
BH-madrugada 26/04/2005 déjà vu de hoje, madrugada 29/11/2011.


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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Pra Semana


Atravessar os umbrais
da memória
num domingo à noite
não é coisa que se faça
impunemente...
mais uma semana
bate à porta.
Tenho que produzir.

Preocupo-me
pois os dias perdem
seus nomes/rótulos
símbolos, seqüências:
não mais
segunda primeirodiadasemana,
terça demorapassar,
quarta futebolnatevê
quinta prelúdio da
sexta gloriosa,
vazia...

Passam a ser apenas dias,
um após o outro,
implacáveis em seu
compasso acentuado
tempo-espaço
inexorabilidade
dia-noite-dia-noite.

Os dias viram
otimismo
preguiça
necessidade
fato consumado
otimismo de novo.

Busco produzir mais
e libertar-me
de minhas próprias
amarras, medos...

Vejo progressos,
pequenos,
mas significativos,
e vibro com eles.

Minharquitetura
tão combalida
ganhou hoje mais
um tijolinho
em sua
Evolução.

Hoje já é segunda,
tenho que dormir...

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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Sobre Julgamentos

Não me julguem
Por minhas tristezas
Medos e
Angústias.

Não me julguem
Por minhas

Cabeçadas na parede e
Pelos murros
Em ponta de faca.

Já me julguei o suficiente
E ninguém sabe da missa
A metade.



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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ah, mar (gar)!

Que prazer é esse? que tem em
sofrer...
Que dor é essa? que tolhe a
vida...
E o viço do simples respirar
que se torna vício,
suplício
angústia e pesar...

Você não é mais o mesmo,
nunca mais será.
Está perdendo tudo,
até mesmo
o saber amar...


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sábado, 19 de novembro de 2011

O Castelo




Castelo pode vir de
Castle, do inglês,
Que no português virou
Castro, fortificação.

É o seu (nosso) sobrenome
Oculto e Ibérico,
Vindo das Quinas e Castelos
Del Rey de São João,
Vislumbrando do alto
De Claros Montes
Os Lessa,
Da Constantinopla ancestral,
Do Bizantino Império,
Ó guerreira valente e protegida
Pela sacra imagem da Virgem do
Perpétuo Socorro.

Em meio a Campos
De muitos outros nomes
E sobrenomes ocultos na história,
Campos por onde sopram
Os ventos da descoberta
E do saber
É você quem registra o mundo
Real e fabular
Fabuloso e pueril
Num castelo sobre as nuvens
Simples e genial,
Que representa seu nome
Oculto, porém
Uma das origens
De tudo que você é:
Joana Lessa Campos!

Beijos de seu pai.

19/11/2011.
 
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sábado, 12 de novembro de 2011

Taipa de Mão, Tapa e Sopapo

Taipa de mão
Taipa de pilão
Venerável construção
Vulnerável às vezes
Dependendo da estação.

Solapando-lhe as bases
A chuva intermitente
Corrompe-lhe aos poucos.

O vento (tempo) passa e
Subtrai-lhe partícula
Peça-pedaço-parede
Surgindo estrutura gradeada
Cipó amarrando
Grid
Xadrez
Grade
Prisão...

Taipa de sopapo
Tapa e sopapo
Na minha cara.

É o tempo urgindo
e bramindo:

CORRE!


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terça-feira, 8 de novembro de 2011

Fotos, cabelos e Carpe Diem: fazendo minha filha dormir.


Segunda-feira 07/11, aniversário do mano mais novo e eu fui incompleto: esposa e filha ficaram em casa.
Reunião no boteco finíssimo e muitas poses para a nova câmera digital.

Caramba...

Vejo nas fotos que o tempo passou através dos meus cabelos: se os que já estão brancos ainda não brilham pelos flashes, o que era volumoso já denuncia as prováveis entradas e uma possível calvície. Mesmo assim ainda ouço: "esse aí não envelhece" ou então "é o mais novo lá de casa..."
Ledo engano. Continuo o mano mais velho.
Voltei pra casa todo "inadequado".

Breve corte no tempo, hora de botar a filha para dormir.
Como de costume deitei-me, e ela, quase 6 de idade, deitou-se sobre meu tórax.
Tem sido assim desde que nasceu.
Não há na face da Terra sensação melhor do que a que se tem ao adormecer alguém em seu colo, no embalo de sua respiração. Se há um significado extra para a palavra PAZ, ei-lo.

-Papai, o que você está ouvindo?
-Música.
-Posso ouvir também?

Compartilhei os fones e escutamos juntos clássicos do Clube da Esquina (isso mesmo Victor: trenzinho, montanhazinha, nuvenzinha, "o Beto", etc. e tal, revisitados magistralmente pelo Affonsinho). Ela ia se aquietando e com  a respiração cada vez mais pausada vieram microespasmos e um ronronar baixinho, porém crescente.
Tem sido assim desde que nasceu.
Durante todo esse processo uma onda tsunami de nostalgia e saudade invade tudo e arrebenta em mim:
Saudade!
Não sei dizer de quem, não sei se de alguma época, não sei exatamente do que.
Talvez de algo que ainda está por acontecer, se isto for possível.
Não sei!
Simplesmente, Saudade.
Tentei entender a situação e só vinham à memória as fotos tiradas horas antes, meus cabelos, minha infância, pais, irmãos, tios e tias, primos e primas, casamento, família, os que se foram, lugares, escola, trabalho e amigos. Tudo que me referencia e me dá lugar no universo.

A leonina frase de sempre martelava minha fronte, qual carrilhão descontrolado, órgão de tubos gritando Tocata & Fuga J.S. Bach o tempo todo: "Carpe Diem! Cara pálida...CARPE DIEEEEEEEEM!"
A fronte pulsava. A mente pulsava. O coração pulsava. Tudo pulsava até que, por fração de segundo eu era só coração, 1.75m de altura, 68.8 kg, filha no colo e olhos estáticos.

Voltei.

Ela dormira calma, pousada no meu peito em chamas, com mineirices mil derramadas ouvido adentro e era levada agora para um leito mais tranquilo, cama de criança, no colo daquele que todos chamavam de moço mas que insistia em se dizer o mano mais velho.





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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Das Flores e Dos Amores

Da vida
Que ontem vivi,
Nada levei
Quando parti.
Deixei
Muitas flores
E também
Muitos amores
Convertidos em um só
Amor.

Só que as flores
Morreram.
A terra não era boa...
E quanto aos amores,
Sofreram.
Descobriram ser coisa à toa.


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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Olhos de Esmeralda: o poema do postal.




  

   Sempre gostei de futebol, legado de meu pai a quem, por muitas vezes acompanhei no estádio aos jogos do Atlético e na AABB, às peladas dominicais e torneios internos. Éramos goleiros e apesar da grande diferença de idade, chegamos a nos enfrentar em balizas opostas.
   Em agosto passado postei aqui no blog um poema chamado "Goleiros (homenagem ao meu pai)" para celebrar essa época.
   Desenrolou-se a vida, defini minha profissão como arquiteto, e ainda ligado ao esporte interessei-me  pela arquitetura de estádios, chegando a formar uma boa coleção de fotos e cartões postais de campos de futebol do Brasil e do mundo que contabiliza hoje cerca de 1.500 peças. Trocava correspondência com outros colecionadores e com o advento da internet veio o comércio eletrônico, que possibilitou a aquisição de itens fora de circulação, particularmente de postais antigos interessantíssimos.
   Um desses postais retrata o Maracanã no Rio de Janeiro, onde podemos ver com nitidez os andaimes sob a marquise do estádio bem como o seu entorno todo em obras. A julgar por essas características, suponho que a foto seja do dia de sua inauguração, pouco antes da Copa do Mundo de 1950.
   Para a minha grande surpresa depararei-me no verso do postal com um poema sem título, sem data e sem assinatura que acabou por transformar esse pedaço de papel numa relíquia valiosíssima para mim, um elo entre presente e passado, entre três coisas que gosto: poesia, futebol e arquitetura, além das lembranças de infância e adolescência na "cola" de meu pai.
   O poema é assim:

"Nos meus olhos de esmeralda
Passa a vida que vivi
Passa a estrada percorrida
Passa a sombra de um adeus

Passam os olhos de outro alguém
Passam luzes que apagaram
Passam nuvens já disformes
Das viagens sem destino

Passam todas as sementes
Que brotaram e já murcharam
Passam flores, passam fitas
Que enfeitaram o passado

Passam sempre e sem parar (?)
As lembranças que agonizam
Passam rastros de risadas
Que calaram já feridas

Nos meus olhos de esmeralda
Passa sempre uma saudade
De uma vida já vivida
Que passou e não voltou."