"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ser de Ferro

Em Ouro Preto
Tudo é “feito pelos escravos”
Inclusive meu coração
Feito escravo
Batendo incessantemente
Buscando sentimento
De ouro e prata
E ferro.

Ser de ferro
É o que desejo.
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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A Trilha do Sol

Saiu de casa andando, apenas com a roupa do corpo
E um oceano nos olhos.
Perdera tudo que achava ter conquistado a vida inteira:
Família, amigos e profissão.
Perdera o amor da sua vida.
Perdera a fé.
Perdera chances de ser feliz.
E não havia consolo naquela hora,
Apenas choro, arrependimentos e lembranças.

"No pain no gain"
Repetia para si mesmo.

Eis que de repente evapora-se o oceano nos olhos
Ficando apenas sal.
Sua visão, janela do mundo, torna-se
O pior dos sentidos:
Quanto mais enxerga,
Mais lhe dói a alma.

Para um pouco.
(H)ora?

Respira fundo e mira a trilha do sol.
A alma que antes ardia de dor
Vê então alguma luz:
O infinito é logo ali...


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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Diamantina I e II

I

E voltou Deus
Ao sertão mineiro
Do Espinhaço,
Talvez com vergonha
De si mesmo,
De sua criação
Não ter sido
Feliz naquele
Lugar nenhum
Do mundo: “Jequitinhonha”.

Resolveu dar-Se
Uma segunda chance:
Andou bastante,
Deixou pegadas,
Revolveu a terra,
Ergueu catedrais de pedra,
Monumentos admiráveis.

Das gotas de seu suor
Brotaram riachos,
Rios,
Cachoeiras,
De água doce
Doce.

Por algum tempo
Inverteu a ordem
Das coisas:
O céu virou subsolo,
Com isto,
Estrelas brotavam
No chão.
O sol dourava
As camadas mais profundas
Da Terra.
Então, esperou.

As estrelas tornaram-se
Diamantes;
Os raios de sol entranhados,
Muito ouro;
E aquela terra miserável
Tornou-se a mais rica
De todo o planeta.

II

Deus pisa
Tapetes de pétalas
E deixa
Pegadas de brilhantes
Diamantina
É uma pegada
Já lavrada
Pelo tempo.


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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O Menino

No grande sertão das
Vidas em vão
Vejo-me face a face
Com o destino,
Que sob a forma de um menino
Estende-me a mão.

Tomo-a e vou em frente.

Passo gente e mais gente
Até chegar a um portão.
Toda gente some
Ficando só o menino,
De quem me solto para
Abrir a tranca.

Some o menino.

Diabruras do destino
Que procuro além do portão.

Meu portão.
Meu destino.
E o menino?

Era eu bem pequenino.


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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Suffering Pampulha

Procuro seus
beijos e abraços,
buscando neles
calor e paz.
Procuro seu
corpo e seu cheiro
querendo deles
prazer e paz.
Procuro, busco e quero,
sempre mais, mais e mais.




foto: Brian Von Kaenel



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domingo, 11 de setembro de 2011

WTC

Hoje a noite será difícil.
Os aviões atingiram-me em cheio.
Há muito não escrevo.
Há muito não desabafo.

Não vi a bomba,
Conheço a história.
Não vi a guerra,
Tenho-a na memória.

Das coisas que vi na vida,
Nada nunca me impressionou tanto.
Hoje me impressionam todas
As coisas do mundo:
Do Jequitinhonha à África,
Tudo agora me sensibiliza.
Tenho vergonha de só agora acordar.
Não sei como agir ou reagir...
Talvez tenha que rezar.

Ai, ai, ai, minharquitetura...
Brigo com você todos os dias e,
Suas imagens, ícones dos manuais
Hoje estão no chão...
Caindo uma por dia.
Cai-me a alma também,
Uma por dia...

Milhares de almas se vão
De uma vez.
Vão do inferno ao céu
De uma vez.
E as outras?
Vão do inferno ao céu.
L-e-n-t-a-m-e-n-t-e

Estou impressionado.
Estou arrasado.

As torres de Babel
Ruindo como papel...
E eu aqui,
Sem descobrir o meu papel...



11/09/2001


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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Sentimento

Sento-me e tento escrever
Tudo o que sinto,
Tudo o que vejo.
E às vezes não dá...

É grande o fluxo que vem
De cima,
E o funil
Coração-Mão-Caneta
Transborda em letras
Desordenadas,
Perdidas
Para sempre do papel.

Fica o gosto do sentimento
Primevo,
Aquele mesmo,
Que passa rasgando
E deixa marca que só eu sei.

Não sai palavra
Se intenciono escrever.
Trava-me o sentimento,
Edema na glote criativa...
Não penso.
Não respiro.


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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Criação

Insepulta alma
Inoculta calma
Inquieta palma
Da mão que então
Permeia
Gesticula
Devaneia
Desenterra algum
Passado
Faz castelos de cartas
No ar
Põe um violinista no telhado
Difícil de equilibrar.
Molda o barro primordial
Vem alguém e assopra:
Desmorona o castelo
Cai o tal violinista...
Do barro voa a pátina
E pro mundo
Abre-se a vista
De pé então só fica a massa
E a vida agora
Pra ela passa.


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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Minharquitetura

A arquitetura força-me
A viver
A vida que pedi e não pedi
A vida que eu não esperava.
A vida que, sem eu ver, passava,
Ao largo de minha vida em vão.

A vida força-me
A viver
A arquitetura que pedi e não pedi
A arquitetura que aprendi.
A arquitetura que, agora eu vejo, passava,
Ao largo de minha vida de então.

Não vejo hoje a arquitetura
Como simples profissão.
Vejo-a como instrumento e cobertura,
É caminho e abertura,
Para cumprir no mundo a minha missão.



Casa Sandro/Patrícia-2010

 









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