"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Ata-me!


Foca-me.
Toca-me.
Inspira-me.
Suspira-me.

Ata-me!
 
Assopra-me
Nos ouvidos
Vida
Quando estivermos
Nós
A sós
De ventres colados
Corações laçados
E olhares vidrados
Variados.

Ata-me depressa!

Porque a tua ausência
É também a minha ausência
E a tua urgência
É também a minha urgência
Em que tudo se renove,
Em que tudo quanto é parco
E miúdo cesse,
Enquanto nesse canto
Me agiganto,
Em saudade e
Pranto.

Saudade
De quem mal conheço
Mas em quem, há muito,
Me reconheço.












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domingo, 15 de setembro de 2013

Leaving August: A Casa dos Contos e Eu. E os Madredeus...



     Boa parte dos fins de semana de minha infância e adolescência foi passada na chácara de minha avó na Pampulha, onde a família inteira se reunia em uma época de aparente tranquilidade que deixou infinitas boas lembranças.
     Como éramos muitos, às vezes ocorria de a meninada não caber nos quartos e alguns de nós íamos de mala e cuia dormir na sala imensa, adornada com todas aquelas coisas típicas das casas das avós: móveis e objetos antigos de fazenda, louças coloridas a perder de vista, oratório barroco, fotos de santos, etc. Em meio a tudo isso, o que eu gostava mesmo era dos quadros de Ouro Preto, encomendados por minha avó ao pintor Wilson Vicente na primeira metade dos anos 70 justamente para compor a casa recém construída.
     Eram 3 grandes: Matriz de Nossa Senhora da Conceição; muros e portão de trás da Igreja de S. Francisco de Assis com N. Senhora das Mercês e Pico do Itacolomi ao fundo e uma vista da Casa dos Contos com S. Francisco de Paula lá no alto. Um pequeno: mostrava a chegada à Praça Tiradentes, com a Capela da Escola de Minas em primeiro plano e o Itacolomi ao longe. Havia outros também, de Santa Luzia, cidade natal da vovó, e uma foto grande de São João del Rey, terra do meu avô.
     Das vezes em que era escalado para dormir na sala, costumava observar essas pinturas até adormecer e sempre me prendia a atenção o quadro da Casa dos Contos, talvez pela imponência da construção, talvez pela luz da tarde representada com maestria pelo artista ou talvez pela figura solitária de um homem passando pela porta lateral do prédio.
     Quem era ele? O que estaria fazendo ali? Ia bater e chamar alguém? Estava só de passagem? E por que ali só tem aquela porta naquela construção tão gigante? O que mais intriga é que me pergunto tudo isso até hoje sempre que vejo o quadro.

Casa da Pampulha: eu e alguns primos na sala. Pintura Casa dos Contos (arquivo pessoal).
     Quando ouvia de minha mãe que aquela era a "Casa dos Contos de Ouro Preto", a minha  cabeça  de criança disparava tentando imaginar quais foram os "contos" que aquele local gerou para merecer tal denominação e o que aquele homem tinha a ver com tudo.
     Minha avó morreu em 1988 e pouco tempo depois a casa foi vendida. Tudo que havia nela foi repartido entre os herdeiros: minhas tias, meu tio e minha mãe. A maioria das coisas, inclusive os quadros, foram para a casa da tia Lanza em Rio Acima, menos um: a Casa dos Contos foi dada a mim como presente. Foi o meu quinhão na herança, um pedaço da minha infância e a lembrança da vovó Lôla que ficaria para sempre comigo. Estava com 17 anos.
     Pouco tempo depois passei no vestibular de arquitetura e finalmente conheci a casa que tanto me marcara. Descobri que os "contos" que ela representava não eram exatamente os que eu imaginava quando criança. Volto lá toda vez que visito Ouro Preto e faço sempre questão de tentar adivinhar o local exato em que o pintor se instalou para realizar a obra.
     Corte na linha do tempo: no começo de agosto deste ano fiquei sabendo que haveria um grande evento musical na cidade e que um dos meus grupos musicais preferidos - Os Madredeus, de Portugal - iria tocar gratuitamente na Igreja de S. Francisco de Assis no dia 30. A ansiedade explodiu e vinte dias antes do concerto eu já estava com a programação pronta na cabeça para aquela sexta-feira especial e recheada de outros compromissos importantes. Qualé! Os Madredeus eram muito mais importantes que todos e, além do mais, queria levar a Joana para seu primeiro show ao vivo com artistas famosos.
     Mas como eu conseguiria os ingressos e onde eles seriam distribuídos?
     Eis que a vida começa a botar as cartas na mesa: os ingressos teriam que ser retirados 2 horas antes da apresentação. Onde? Na Casa dos Contos!
     Pensava comigo: Putz...tá pra mim! Olha só a combinação: Madredeus (música de toda a vida), Igreja de São Francisco de Assis (monumento mundial de arquitetura) e Casa dos Contos (lembranças e lembranças...). Tinha que ir de qualquer jeito!
     Chegado o tão aguardado dia, duas horas antes de começar a distribuição das entradas já havia muita gente esperando na fila que começava na porta lateral, na bendita porta lateral da Casa dos Contos que tanto provocou meus pensamentos na infância!
     Seriam apenas 150 ingressos à disposição, nos informaram os organizadores do evento. Limitações impostas pelo Instituto de Patrimônio Histórico por conta da obra de arte em nível interplanetário que é S. Francisco de Assis não permitiam mais do que isto. Não importava. Na triagem o nosso número era 139, ou seja: estávamos dentro! Certeza absoluta! Uhu!
     A fila começou a andar, e a vida a colocar mais cartas na mesa. A porta bendita ia se aproximando e minha cabeça era só o quadro na casa da Pampulha, e era a figura solitária na porta, e era minha avó no sítio. Era muito filme passando na minha mente de uma só vez e um quase delírio de emoção que foi interrompido subitamente com a seguinte fala:  
     "ACABARAM-SE OS INGRESSOS! AGRADECEMOS A PACIÊNCIA DE TODOS E OS CONVIDAMOS PARA OS OUTROS EVENTOS QUE ACONTECEM SIMULTANEAMENTE NA CIDADE..." 
     Como assim acabaram-se os ingressos? Éramos o número 139 e havia 150 para distribuir!
     Diante de mim apenas a porta lateral da Casa dos Contos de Ouro Preto. Fechando-se. Atrás de mim "trocentas" pessoas se lamentando ou reclamando do número pequeno de entradas...
     E eu ali parado, incrédulo, com minha filha no colo, tentando balbuciar alguma coisa, pedir algum ingresso extra, rezando pra São Francisco, Santo Antônio, Chico Rei, São Longuinho, para qualquer um que pudesse me conceder a graça de não perder a viagem.
     Não teve jeito. Jantamos ali por perto e minha esposa e minha filha foram para o hotel fugindo do frio, enquanto eu segui sozinho para São Francisco à espera de algum milagre, que obviamente  não aconteceu.
     Acabei assistindo ao show de pé, através do telão montado do lado de fora da igreja, junto com aquelas "trocentas" pessoas.

Madredeus: S.Francisco externa e interna (Flickr MIMO). Externa 2 (arquivo pessoal).
     O cenário: à minha esquerda, São Francisco de Assis, por uma hora e pouco transformada em caixa de Pandora ou caverna de Platão, com os Madredeus lá dentro numa apresentação divina e impecável; à minha direita, o cemitério da igreja, me fazendo lembrar da única certeza que temos na vida. Acima, uma noite impoluta, com Escorpião descendo e Sagitário no zênite, ou seja: com o centro da galáxia exatamente sobre as nossas cabeças. Algo místico que aliviou um pouco a decepção por não ter conseguido entrar e de não ter chegado pelo menos 15 minutos mais cedo naquela fila.
     Se tivesse conseguido os ingressos, certamente viveria uma das maiores experiências da minha vida, mas ali, do lado de fora, com aquele cenário, ouvindo aquela música, debaixo daquele céu e refletindo sobre todos os acontecimentos que me levaram até aquele momento, acabei definitivamente me encontrando e descobrindo a identidade do homem solitário, para sempre congelado e a partir de agora incrédulo diante da porta lateral da Casa dos Contos de Ouro Preto.

Casa do Contos - ângulo impossível - A.W.C.Jr.

Link relacionado: http://alexandre-pontodefuga.blogspot.com.br/2013/08/os-madredeus-e-ouro-preto-e-eu.html

P.S. 1: No sábado passado, dia 20 de junho de 2020, recebi de presente 3 dos quadros que mencionei acima. Quem fez essa surpresa foi minha prima Mariângela, filha da tia Lanza. 
Fiquei extremamente emocionado com a generosidade dela, que repetiu a mãe em outra passagem da minha vida, que merece um post futuro. Eis os quadros:



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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Dor Bendita

(às almas irmãs)

O teu silêncio me maltrata.
A tua distância me agonia.
A tua essência me arrebata.
A tua existência me alumia.

O teu falar? É um mistério.
O teu sorrir? É sem igual.
O teu calar? É impropério.
O meu fugir? É anormal.

Aonde andas que não te vejo?
Não te procuro pra não te ver.
Tateio o escuro e me protejo
Da dor bendita que é te querer.















 (Imagem: http://drawasamaniac.com/2012/12/brilliant-works-by-pavel-guzenko.html)

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