"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

As Viagens de Antanho

Viajo vidas
Pregressas
Quando o meu
Coração de antanho
Se lhe abria
Com fervor.

Viajo vidas
De antanho
Quando o seu
Coração de estanho
Não batia
A meu favor.

Olho a vida
No futuro
Quando o meu
Coração maduro
Pelo tempo
Ficou duro
E perdeu todo
O valor.

Já o amor
Que hoje procuro
Como o estanho
Se tornou:
Brilha frio
No escuro
Derreteu
Sem ter calor.

Quanto à vida
No presente,
Nada sei...
Minha vida atualmente
Não tem lei.
Tenho algo que pressente
Tenho tudo que passei:

Meus amores,
Vejo-os todos
Sem os ter;
Minhas dores,
Tenho-as todas
Sem as ver;
Minhas flores,
Beijo-as todas
Sem prazer.


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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ao que diz o coração

(às almas essenciais)

Se tarde demais
Não for, renuncio
Ao meu torpor
E inicio
Com ardor
A maior das caminhadas
Com destino ao amor.

Amor ao mundo e à vida,
Amor à ação e à esperança,
Amor à falha e ao erro.

Amor ao projeto,
À obra e à construção
Da liberdade,
Do saber,
E do querer.

Amor ao que diz o coração.
Ao que diz o meu coração.


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Trinca

I-Tramar

Tramar
Tramei...
Não fiz
Errei...
Antes tivesse feito
E errado
Do que ter
Ficado parado.

II-Ruminar

Deixar pra depois
É comer
Como
Comem
Os bois...

III-Acreditar

Acredito em
MIM,
Três letras
A progredir,
Vendo, Ouvindo, Interagindo.


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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Me Dê Um Texto Técnico!

Me dê um texto técnico!
Para explicar e demonstrar
Pelo amor do santo Deus
O que você sente por mim.

Me dê um texto técnico!
Científico e acadêmico
Isento de evasivas e das frases
Tão vazias que você dirige a mim.

Me dê um texto técnico!
Para eu compreender
Fora desta sua inócua "poesia"
Como você foge de mim.

Me dê um texto técnico!
Para eu te demonstrar,
Quase desenhar,
Que o que sinto por você tem:

Princípio
Meio
E fim.


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Topada

Fundir-me com o chão,
Fazer parte da paisagem,
Ser um com a cidade que hoje
Me vê definhar,
Lágrima no canto do olho
TV ligada
Quarto escuro...

Ver por baixo
Solas gastas de
Sapatos tênis sandálias
Que passaram
Por lugares que nem imagino,

E eu aqui,
Sempre carregado,
Pés descalços,
Intactos,
Bolha sequer...

Qualquer topada
Seria muito bem-vinda...

Faz-me falta
O que não fiz,
O que não faço,
O que fazer...
O que fazer?

Não sei.

Apenas faça.

(2005)


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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Último Encontro

Te vi chegar pela janela gradeada
da sacristia do Carmo de Ouro Preto
e em meio a relíquias
e idiomas distantes
eu te esperava,
no dia de meus anos.

Cabelos soltos, brilhantes
ao sol da manhã fresca,
vinda de ladeiras e ruas que um dia
passei em pensamento,
quando buscava em alguém
o que agora via em você.

Pensava em nós.

Te segui de dentro da nave.
imaginando seus passos lá fora,
ao sabor do vento sol relva pássaros.

Desfilei retábulos, altares, púlpitos
e santos (trocando olhares de fome comigo).
detendo-me na última estação
da Sacra Via revendo uma promessa
e esquecendo outras mil,
deixadas pra trás
em pegadas na trilha da vida.

Pensava em nós

Saindo, te vi pequena e altiva,
sentada no parapeito do adro da igreja
com o mundo todo a seus pés:

Senhora da paisagem
de montanhas e história
que envolviam,
emolduravam o quadro
de nosso último caso,
de nosso último encontro,
no dia de meus anos...


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sábado, 8 de outubro de 2011

Noa(r)

Não é perfume à toa
Que me arrebata
E a mente voa,
Vence coqueiral
Falésia
Mar azul
Horizonte Belo
"Em linha recta"...

E voa alto.
E volta,
Despejando no ar
Fragrância de
Beijos e abraços
Que ganhou
Por onde passou...














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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A Ponte da Misarela

Na ponte da Misarela
Eu passei em pensamento.
Na ponte da Misarela
Eu parei por um momento.

Encostei no parapeito
E olhei:

Vi lá em baixo
O rio de minha existência
Explodindo nas pedras
Numa nuvem de vapor;
Cada gotícula um dia de vida.

A nuvem sobe
E toda vida
Passa diante
De meus olhos
Em delírio
Quase místico:

Vejo minhas alegrias,
Vejo minhas cruzes,
Vejo minhas certezas,
Vejo minhas dúvidas,
Vejo você,
Vejo minhas flores,
Vejo meus amores...

A Misarela une o nada
A lugar nenhum.
O rio que ali passa
Tem as margens áridas,
Estéreis, como é toda a província,
Lugar mais árido do país.

A Misarela é uma ponte
Estreita e curta,
Onde os amores locais
Vão buscar inspiração,
Fertilidade.
Lá eu fui buscar
Um amor não-sei-o-quê
Nãoseiseachoqueprocuro.

Não achei na Misarela
Aquilo que fui buscar.
Mas achei coisa mais bela,
Vi motivos pra sonhar:

Vi que a nuvem
E as gotículas-dias
De minha vida
Ao sucumbirem
À força da gravidade
Depositavam-se em cada
Margem do rio,
Transformando a aridez
Tão presente naquela área
Em um rico jardim,
Explosão de vida.

Descobri
Que a Ponte da Misarela
É o momento presente
Que faz a ligação entre
Passado e Futuro.

O rio em queda livre
É a vida que se esvai,
É a nuvem de meus dias
Carregados de vivência,
Fertilizando a margem
Do futuro,
Do porvir,
Do bem viver.

Na ponte da Misarela
Eu passei em pensamento.
Na ponte da Misarela
Eu parei por um momento.


http://www.montalegre.info/2009/06/lenda-da-ponte-da-misarela.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ponte_da_Mizarela

http://calcorreando.blogspot.com/2008/03/ponte-da-mizarela-montalegre.html


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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Portugal


Em Portugal,
No topo de cada morro
Há um castelo,
Uma videira,
Uma oliveira.
Um moinho sem vento...

Há sempre um rio
De nome sonoro:
Tâmega
Mondego
O Tejo
O Dão.

Há cidades poéticas:
Romântica Lisboa
Douta Coimbra
O Porto despencando sobre o Douro
Évora de Diana
Elvas quasespanha...

Em Portugal,
“Eu nunca vi rios de água doce”
Nos disse a Isabel.
“São salgados como o mar.”

Em Portugal,
Há sempre uma
Velha de preto,
Um homem de boina
E bigode.

Há sempre um
Parente ou conhecido
No Brasil.

Em Portugal
Há os casais
As quintas
Os Palácios,

Há os estendais de roupa
E o povo na Ribeira,
Há um fragmento de popa
Que outrora fora inteira.

Há o Fernando Pessoa,
O Camões,
O Gil Vicente.
Há Florbela Espanca,
E letras pra toda a gente.
 
Em Portugal
Há cegonhas no Alentejo
Há casas que são “fogos”
Há um comboio em cortejo
Há um traço de outros povos:

Há os romanos ancestrais
E os mouros milenares,
Há povos coloniais
E as gentes insulares.

Em Lisboa,
Há na Baixa um burburinho,
Na Alfama, sobe e desce
No Chiado o cafezinho
E o fado que entristece.

Em Portugal
Há a Serra da Estrela,
Há a Basílica da Estrela.
Há a estrela polar
Que lá vi primeira vez.
Tão importante...

Há o vinho do Porto
Que do Porto só tem a vista.
Há Vila Nova de Gaia
E os “rabelos” pra turista.

Em Portugal,
De Sagres ao Minho,
Das Rocas até Elvas
Há acima de tudo a tradição;
Tudo ligado ao mar
Tudo ligado ao chão.

Por todas as coisas que vi,
E outras que o país encerra,
Se Portugal tivesse cheiro,
Teria cheiro de mar,
Teria cheiro de terra.


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