"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

sábado, 30 de abril de 2016

Sábado 30


A serenidade morava e
transbordava de seus
olhos castanhos.

A paz emanava de seus
movimentos básicos estivesse ela
prendendo para trás os cabelos
ou caminhando sobre nuvens
pelo corredor vazio.

Desvio então meus olhos desses pensamentos
tamborilando "A Força do Silêncio" com os
dedos sobre a mesa de um trabalho
que não rende mais na noite fria
do sábado 30 do mês de abril.



domingo, 24 de abril de 2016

Cravo, Rosa e colar de estrelas


Uma briga na rua
me leva à sacada.
Aos tapas estalados no ar
e às palavras sem nenhum calão
proferidas com dedos em riste
respondo olhando o céu de nuvens
densas, amareladas, rápidas,
de eventuais brechas
janelas para um negrume sideral
povoado de sonho
e colar de estrelas.
A mim só interessa uma delas:
aquela que será a
estrela da vida inteira.






sexta-feira, 22 de abril de 2016

Lois Lane salva o dia


O filme era longo e alucinante.
O bandidão confundia
as cabeças e sequestrava
a tranquilidade dos corações.
Os heróis digladiavam-se
de capa, armadura
e kriptonita em punho.
Não se sabia o que era bem
ou o que era o mal.
No auge da discordância
quase no golpe de misericórdia
chega a jornalista destemida,
joga-se na cena de corpo e alma
como de costume,
diz as palavras mágicas,
salva os heróis deles
mesmos e de quebra
o mundo inteiro...
No final até a Wonder Woman
apareceu para dar uma
forcinha.




sábado, 16 de abril de 2016

The Living City V


A cabeça dele tornara-se pequena para tantos pensamentos diferentes, destoantes, dissonantes, todos ao mesmo tempo. Voltava para casa à noite, chacoalhando no ônibus cheio, testa encostada no vidro da janela, torcendo para que não aparecesse ninguém que o obrigasse a se levantar e a ceder o assento, fosse por gentileza ou por obrigação. Para tanto olhava fixamente a paisagem quase negra lá fora.
Subindo Amazonas viu a silhueta pálida do Ed. Levy, com alguém fumando à porta.
Ajeitou seu corpo no assento plástico e percebeu reflexos nos vidros do veículo que lhe trouxeram imediatamente à lembrança o par de olhos que mais lhe marcara, a ponto de levá-los para sempre tatuados na alma. Suspirou fundo e resignado ao mesmo tempo em que o ônibus virava bruscamente em Tamoios e as pessoas levantavam-se para descer no próximo ponto.
Ruminou por alguns segundos aquele passado até que a bateria de ferros e metais do coletivo vazio misturou-se com o ruído de seus pensamentos, rangendo em uníssono infernal: odisparatedomuronogramadodaesplanadaasaudadedanadaquesentiadafilhaquemoravalongeeaquemnãoviaháummês
otrabalhootrabalhootrabalhootrabalhoasituaçãodelicadanacasadeseuspaisprecisavaurgenteviversuavidaerecomeçar
voltaraplanejarseusirmãosseusirmãosogalonalibertadoresocheirodosuordamulheramadaasdoresabdominaisintensas
nãovaitergolpenãovaitercopanãovaiterpaz...
Da cidade, que passava correndo lá fora, não sabia mais onde começava o grafitti e onde terminava o pixo do viaduto para sempre profanado. Com a mente ainda longe e ruidosa deu de ombros para tudo aquilo quando entraram por Sapucaí.
Acionou a campainha.
Faltava pouco para chegar ao seu destino.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Poesia pra mim

(por Joana Lessa Campos)

Para mim, poesia é amor
Para mim, poesia é vida
Para mim, poesia é a história
recontada pela visão do poeta

O poeta se expressou,
ou se amargou?
Temos poesias,
mas nem todos os dias.

(por Joana Lessa Campos)












domingo, 3 de abril de 2016

Os que tem asas


As asas dele eram de cera,
as dela, de madeira.

Ele alçava voos baixos
para fugir do sol
e colher, num rasante veloz as
flores todas no rés do chão.

Ela voava estratosferas
para vencer cordilheiras
e buscar, no espaço azul
sonhos limpos de uma vida zen.

Encontravam-se sempre
em algum lugar entre
céu e inferno para trocar
as colheitas que fizeram
e tocar as palmas de suas almas:
ele tinha olhos de beijo e de ternura
ela, perfume de amor e tranquilidade.

Ele era clássico e retilíneo.
Ela, barroca e exuberante.

Eram autênticos desse jeito.

(acervo pessoal)