"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Suspiros e Sopros


Passei o dia de hoje me afogando
Em suspiros profundos
E sopros intensos.

Suspiros de arrependimento
E saudades
E ansiedade
Por desejar ser o que deveria
Ter sido há anos atrás.

Sopros de vida,
Eu, querendo ser Deus
E mudar o mundo e
A vida das pessoas,

Mudar a minha...

Daí o sopro,
Tentativa de,
Tornado em barro novamente
(e em pó, ao mesmo tempo)
Dar-me segunda chance de vida.

Daí o suspiro,
Sopro,
Sístole,
Diástole,
Ansiedade.

Me mandaram até correr na Praça...

Os pulmões foram pequenos
O dia todo.
O mundo se dilatou,
O universo se expandiu e eu,
Implodindo mundos por dentro,
Resisti
Outra vez.

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sábado, 25 de agosto de 2012

A Nau da Ilusão


Soçobra a nau da ilusão.

Vales o quanto pensas.
Tens o quanto fazes.
Mãos à obra, meu irmão!

Para! de forjar imagem,
Para! de pensar bobagem,
Acorda de seu sono tolo
E entra também no bolo
Daqueles que de tudo fazem,
Sem medo de deixar à margem
Uma ou outra interpretação,
Pois quando chegar a hora,
Que pode ser mesmo agora,
Não há tempo de voltar pra fora,
Não terá outra opção...

Sua vida terá passado
Ao largo de si, soldado.
Notará desapontado
Ter lutado em front errado:
O que passou, terá passado,
De que valeu? ficar deitado,
Mesmo estando acordado,
Sem mexer, virar pro lado,
Ver o mundo
Mar agitado...

Soçobra a nau da ilusão...


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sábado, 18 de agosto de 2012

Ainda o Pessoa, que em linha "recta" e muita meditação me leva a "Boitempos"

Dois poemas circunstanciais do Fernando Pessoa, em um deles, novamente "crepúsculo", tão presente nos últimos tempos e eu, no final, recebo ajudazinha do Drummond para ser mais otimista, sair do por-do-sol, mirar tempo bom e alvorecer.

Poema em Linha Recta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Os versos acima, escritos com o heterônimo de Álvaro de Campos, foram extraídos do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 418.

Há Quase Um Ano Não Escrevo

Há quase um ano não escrevo.
Pesada, a meditação
Torna-me alguém que não devo
Interromper na atenção.
Tenho saudades de mim,
De quando, de alma alheada,
Eu era não ser assim,
E os versos vinham de nada.
Hoje penso quanto faço,
Escrevo sabendo o que digo...
Para quem desce do espaço
Este crepúsculo antigo?

23-5-1932

Boitempos...


Sol Praia Mar
O Rio de bom tempo
BH idem...

Deságua em mim
O Boitempo de Drummond...

A.W.C.Jr.


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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A semana em que abusei do Fernando Pessoa


Nuvens

No dia triste o meu coração mais triste que o dia... 
Obrigações morais e civis?  
Complexidade de deveres, de conseqüências?   
Não, nada... 
O dia triste, a pouca vontade para tudo...  
Nada...  

Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol   
(Também estive ao sol, ou supus que estive).  
Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica,  
Vaidade, alegria e sociabilidade, 
E emigram para voltar, ou para não voltar, 
Em navios que os transportam simplesmente.   
Não sentem o que há de morte em toda a partida,   
De mistério em toda a chegada, 
De horrível em iodo o novo...  
Não sentem: por isso são deputados e financeiros,  
Dançam e são empregados no comércio,
Vão a todos os teatros e conhecem gente...
Não sentem: para que haveriam de sentir?  

Gado vestido dos currais dos Deuses, 
Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício
Sob o sol, álacre, vivo, contente de sentir-se...
Deixai-o passar, mas ai, vou com ele sem grinalda
Para o mesmo destino!
Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho, 
Vou com ele sem desconhecer...
  
No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
No dia triste todos os dias...
No dia tão triste...

   Sob o heterônimo "Álvaro de Campos", Fernando Pessoa escreveu este poema melancólico. Lembrava-me de seus primeiros versos, mas não lembrava o título. Pesquisei em casa e: "Nuvens". Sentia-me hoje exatamente deste jeito, com certa angústia e insatisfação, porém, mais comigo do que com o resto do mundo.

   Eu, que tendo a não acreditar em acasos, passei o dia pensando muito sobre as nuvens, movido novamente pela vista do por do sol lá no escritório e postando agora há pouco frase de efeito com foto numa rede social.

   Foram muito duros estes últimos sete dias, de pesada e solitária reflexão, afinal de contas, o período anterior a qualquer tomada de atitude é dos momentos mais solitários que uma pessoa experimenta na vida.

   Solidão é necessária. Às vezes é boa, às vezes é ruim, às vezes nos impulsiona e às vezes nos atrasa. Às vezes é triste, mas quantas vezes damos nossas melhores gargalhadas quando estamos sozinhos? Inúmeras, incontáveis vezes. A solidão é paradoxal.

   Termino a semana assim, com por do sol "entre nuvens", abusando das referências ao Pessoa, planejando "alvoreceres", rindo sozinho de minhas mazelas e bastante otimista, embora não pareça.


A foto é só para lembrar que por mais que haja nuvens pesadas no céu, é por causa delas que percebemos os raios de sol.

  

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Fernando Pessoa, Victor de Andrade e nossos "padrões" a deixar pelo mundo afora...


   O meu grande amigo Victor de Andrade ontem me contou um caso e mencionou este poema (que eu não conhecia) do inigualável Fernando Pessoa, entoado no mês passado por ele em Lisboa, à beira do Tejo, aos pés do Padrão dos Descobrimentos.

   Mais do que poesia, mais do que obra do Pessoa, mais do que registro oral da glória navegadora portuguesa, mais do que versos merecedores da melodia de Caetano Veloso (http://www.youtube.com/watch?v=B1HwbgDiR6Q), este poema é uma ode à motivação humana, seja ela inspirada em Deus, em uma ideia ou na pura e simples intuição e vontade de seguir em frente e registrar sua marca.

   Como toda obra literária de qualidade pode ser lida de várias maneiras, em qualquer época da vida e nos transmitirá sempre uma mensagem ou interpretação nova, adequada ao nosso anseio momentâneo ou reflexão para o futuro.

   E cá estou eu hoje, mais português do que nunca, tanto em nostalgia quanto no desejo de navegar e conquistar, lendo e relendo esses poucos versos tão gigantes e multiplicadores de esperança. E de ilusões.

   Parodiando o próprio Caetano em "Os Argonautas": Navegar é preciso, viver TAMBÉM é preciso.


Padrão

O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quintas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

E a cruz no alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

Fernando Pessoa-13/09/1918 "O Guardador de Rebanhos e Outros Poemas"



Os padrões eram marcos de pedra que os navegadores portugueses levavam - traziam - no porão dos navios e fixavam nas praias encontradas, como forma de marcar a sua posse pelo Rei de Portugal.
Diogo Cão esteve entre os primeiros navegadores que exploraram as costas da África tendo feito importantes contatos com os povos africanos. Posteriormente disse ter logrado passar o Bojador, o grande desafio que correspondia a ter encontrado o desejado caminho marítmo para as Índias. Essa notícia não se confirmou e o navegador caiu em desgraça(...)

http://www.caleb.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=68:padrao-fernando-pessoa&catid=35&Itemid=54 

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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Cara Metade

Cara metade minha
Que não acho em
Parte alguma:
Fixo-a em pensamento,
Fito-a por um momento,
Devanece como espuma.

Onde estará você,
Que fará meus dias longos
E agradáveis
Com você sempre no final?

Olho você toda
Te conheço de alto a baixo,
Mas não aparece...

Vem!
Me devolva os dias
De glória
De vida plena
E feliz!

Meu objetivo é você,
Seus telefonemas
Suas perguntas óbvias
De respostas igualmente
Óbvias, triviais
Tododiamesmacoisa
Que delícia de rotina!

Onde está você?

Sublime-se,
Subverta a física
Do universo.
Crie-se do nada,
Saia dos meus sonhos,
Realize-se em minha frente,

Paire sobre mim
Como os fantasmas
Que me rodeiam...
Todos velhos
Já mortos...Gershwin, Nava, Wright...

E você por nascer...
Fantasma ao contrário...

1997

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