"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

segunda-feira, 30 de março de 2015

Dos Meus Olhares


Tenho um olhar
Aguçado
Percebo quem anda
Ao meu lado.

Tenho um olhar
Penetrante
Percebo quem vai
Adiante.

Tenho um olhar
Perspicaz
Percebo quem chega
Por trás.

Tenho um olhar
De rapina
Percebo tudo
De cima.

Tenho um olhar
Calejado
Percebo o mal
Praticado.

Tenho um olhar
De poeta
Percebo mil curvas
Na reta.

Tenho um olhar
Hesitante
Percebo às vezes.
Durante...

Tenho um olhar
De arquiteto
Percebo o que
Não está certo.

Tenho um olhar
Paternal
Percebo de longe
Se algo está mal.

Eu tenho um olhar
Condizente
Com toda a emoção
Que se sente.

Tenho um olhar
Já cansado
Pra tudo em que sou
Viciado.

Tenho um olhar
De espanto
De choro de susto
De pranto.

Tenho um olhar
De respeito
Pro mestre que pulsa
Em meu peito.
  
No meio de tantos olhares
Percebo no riso e na dor
Que eu mesmo só guardo
Meus olhos
Para ela
Que é meu amor.











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quinta-feira, 26 de março de 2015

Tanto Tempo


Passou tanto tempo
Só pensando nela
Que nela o tempo passou
Que nele o tempo voou
E deles nada restou.

As ruas de terra
Foram asfaltadas
As casas todas
Arrasadas
Os prédios
Levantados.

A chuva sumiu.
O clima endoidou
A paisagem mudou.
O que era verde
Ficou cinza
E o que era cinza
O vento levou.

O tempo passou
Ele pensava
E ela voou.
Tanto tanto tempo
Passou
Que o tempo lhe disse:
Lamento filhote,
Eu não volto.
Só vou...


segunda-feira, 16 de março de 2015

20º Andar


Nem desenho.
Nem poema.
Só garranchos mentais.

Pousei a lapiseira
Ao lado da folha branca
Intacta
Sobre a mesa
Imensa
Da sala de reuniões
Vazia.

Vou lá todos os dias
Depois do almoço
Para respirar.

Pensamentos em profusão
Saltam
Voam
Pela janela esquadria negra
Que contém o corpo
Que emoldura a alma
E o mundo lá fora
Enquanto ela,
O meu amor,
Lá embaixo,
Colhe todos eles
Em algum lugar
Da urbe escaldante
Sem saber de nada

Daqui de cima
Tamanho formiga
Para os olhos,
Tamanho família
Para o meu coração.





















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domingo, 8 de março de 2015

Depois da Chuva


À noite
Sobre as poças rasas
Deixadas pela chuva
Que acabara de cair
Ele caminhava só,
43, mais adolescente
Do que nunca
Levando flores nas mãos
E na alma.

Nos ombros o peso
De um luar intenso
De prata pura
Derretendo aos poucos
Nuvens de chumbo
E medo.

Coração?
Repleto de tudo.
De vida, inclusive.

Deixou ao pé da entrada
O buquê
Deslizou com os olhos
Por baixo da porta
O cartão
Com tudo o que nunca disse
E com tudo que estava por dizer
E querer
Dali pra frente.

Sentiu ali sua presença
Pelo simples fato
De saber que ela existia,
Mais do que pelas luzes
Vindas das janelas
Pelo vento assoviando
Pelas frestas
Ou pelo trote miúdo do "pet"
Que já notara o movimento
E farejava o chão
Do outro lado daquela
Bendita porta.

Saiu andando sem olhar pra trás,
Consciente de ter feito
O que pedia a voz
Do seu coração.














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terça-feira, 3 de março de 2015

Devaneio


Ela deixou tocar a mão
Em seus cabelos negros
E cada fio que passava
Por meus dedos
Parecia forte e pesado
Como se fosse de aço
Porém deslizava
Solto e leve
Como aquele momento
Ia se tornando.

Eu sentia um por um.

Cada fio uma nota musical
Um acorde numa sinfonia
Que nunca deve acabar
Uma batida do cuore mio
E um desejo intenso
Por seu beijo.

Cada fio uma certeza
De que vale a pena
Viver um dia após o outro
Cada momento
Cada sentimento
E cada amor.


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