"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

domingo, 31 de janeiro de 2016

A vida como ela é - Parte I: Ah... Paris!


Ela estudava arquitetura.
A tia sugeriu que fosse trabalhar
com moda em Paris e ela foi.
Não pegou na tesoura nem na agulha.
Fez muita cena e inventou moda.
Terminou o curso por lá,
trabalhou em outra área,
conheceu um grego bacana,
casou-se com ele
e nunca mais voltou.

(baseado em fatos reais)


sábado, 30 de janeiro de 2016

Vai lá...


Resolveu seguir um conselho amigo:
"Vai lá... dá um tapa no cabelo,
passa um perfuminho,
vista-se de toda positividade possível,
deixe em casa tudo de negativo,
atenção para a leitura corporal
e escolha melhor os sapatos..."

De uma música que ela havia mandado
sem saber de quem ou de quando era
destrinchou toda a história do rock gaúcho
que foi devidamente anexada ao discurso
preparado há séculos e, mais uma vez,
ensaiado para estrear naquele dia.

Estava pronto para outro mergulho
sem expectativas como achava que deveria ser.
Sairia molhado até a raiz dos cabelos.
No fundo, queria mesmo era lavar a alma.

Vai lá...
Quem sabe?


quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Suave


ela tinha cheiro
de amor maduro
colhido em dia de brisa
sob a sombra da
árvore do benquerer


domingo, 24 de janeiro de 2016

Sonho, razão e emoção.


     A semana tinha sido difícil. Enfrentou problemas inevitáveis que, se não existissem, deixariam a sensação de que a vida não era para ser vivida.
     Nas horas de respiro seguia namorando as fotos dela. Nos olhos grandes, no sorriso aberto, na alma fluindo pelas poses e expressões congeladas, queria e conseguia enxergar paz e leveza. Mesmo sem conhecer o tom de sua voz alimentava expectativas e as matava com suspiros logo em seguida, experiente que era nos assuntos sentimentais.
     O sábado chegou nublado e feroz. Foi metade trabalho, metade descanso.
     No fim da tarde deitou exausto e dormiu. Num sonho rápido sentiu um incômodo seguido de dor dois dedos abaixo do mamilo esquerdo. Ainda em sonho levantou-se e despiu-se da blusa de malha branca para entender o que acontecia.
     Viu que alguma coisa forçava o espaço por entre suas costelas espetando a pele de dentro para fora. Ergueu a cabeça, olhou para os lados procurando alguém que pudesse lhe explicar aquilo e também para buscar o fôlego que já ameaçava faltar.
     Um pequeno corte abriu-se no local da dor e lá de dentro saltaram dois brincos de ouro com pedra facetada bem vermelha na ponta de cada um deles. Pareciam duas pequenas rosas lançadas para a luz diretamente de seu coração.
     A dor no entanto continuava. Pelo mesmo corte brotou uma ponta metálica, de aço, que logo se revelou uma grande agulha curva, semelhante àquelas de costurar tecidos grossos. Tinha quase um palmo de circunferência e brilhava muito. Olhou novamente em volta.
     O corte fechou-se em questão de segundos e deixou uma cicatriz. Houve um grande alívio pelo fim daquilo, pela dor que já não sentia e também por algum motivo que não sabia bem explicar.
     Quando foi mostrar os objetos para o irmão que passava por perto, o sonho acabou.
     Acordou confuso, com sensações de desprendimento e liberdade. Buscou em seu passado recente uma explicação racional para o sonho mas entendeu que ela viria de um tempo não tão próximo. Sorriu então com muita vontade de ser feliz.
     Tratou de armar-se com todos os suspiros que seus pulmões pudessem emitir para  alimentar todas as expectativas que nascessem dali para frente. Decidiu que elas deveriam morrer por si próprias e de velhice preferencialmente.
     Sorriu aliviado mais uma vez e saiu para uma uma vida nova em que todo esforço valeria a pena.

    



sábado, 16 de janeiro de 2016

Im-poesia


Poesia que reside
onde passa longe
qualquer poesia

é o furo na sola de meu sapato
registro de meu errar constante
pela urbe

são as goteiras em profusão
pelo teto de meu quarto
meus livros e papéis molhados

é o silêncio que faço diinteiro
em meditação pesada: correções
de pensamento e de conduta

é o beijo na boca nunca dado
é o cafuné que não houve
é o sonho não perseguido
é o grande Amor desperdiçado.


sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

31 de dezembro


Na tarde deserta
na Praça deserta
eu e ela
desenhamos nossas vidas
lemos nossos momentâneos livros.

Silêncio de feriado:
ouvimos a flor do
bouganville se desprender do talo
e chocar-se contra o chão.
Ouvimos os beijos do casal
in love do outro lado
da fonte desligada.

Solitário um rapaz
observa tudo do alto
da escadaria do coreto.

Tudo está mudo na cidade:
máquinas, carros, ônibus e prédios.
Tudo está mudo,
menos o que nos interessa ouvir.
Menos os nossos corações.