"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

domingo, 31 de julho de 2011

Entrevista com meu trisavô

Fugindo um pouco do padrão, posto hoje uma entrevista de 1922, feita com meu trisavô em Santa Luzia, MG, por um certo Dionysio Silveira. Encontrei em meus arquivos.


Um homem que nasceu no “anno da fumaça” diz o valor das barbas no seu tempo e da superioridade do Partido Liberal sobre o Conservador
 
Passei o dia de hontem – 7 de setembro – entre as quatro paredes duma sala de hotel, na tradicional cidade de Santa Luzia do Rio das Velhas, a 35 kilometros de Bello Horizonte.
O hotel em que me hospedei, o único existente no logar, não está situado propriamente na cidade: fica-lhe distante tres kilometros e à beira da estação de Rio das Velhas, da Central do Brasil.
Não é que eu preferisse passar ali o “dia maior” dos brasileiros. Não. Não é possível preferir-se, mormente no dia de hontem qualquer cidade, por melhor que seja à Bello Horizonte.
Trabalhos urgentes foram a causa de minha permanencia em Rio das Velhas.
Aproveitei bem o dia: trabalhei e aprendi alguma coisa de historia antiga, que os livros não dão à publicidade.
A proprietaria do hotel é uma distincta senhora, viuva que móra em companhia de seu respeitavel pae, sr. Vicente Gonçalves Chaves. É um velho de poucas falas. Suas longas barbas brancas dão-lhe perfeita semelhança com d. Pedro II; e a sua sizudez demonstra a severidade de seu caracter.
Vi logo que minha approximação desse homem seria proveitosa, porque iria conhecer, como de facto conheci, episodios interessantes do seu tempo e da sua gente.
Eduquei meu espirito, já de naturesa observador, nas lides de imprensa, de maneira que não perco opportunidades, como essa, de fazer uma reportagem sobre assumpto politico-social.
Sem perda de tempo, puxei minha cadeira para junto da do sr. Vicente Gonçalves Chaves e lhe perguntei:
–O senhor tem alguns 70 annos?
–Tenho mais alguma coisa, porque nasci no “anno da fumaça”, em 1833. Como vê, tenho 89 annos feitos e quasi a entrar na casa dos 90.
Respondi-lhe, então, gracejando:
–Se fosse a uma senhora, eu não me atreveria a fazer pergunta tão indiscreta... As senhoras não gostam desse assumpto.
–Qual! Hoje é que a gente vê dessas bobagens. As moças do meu tempo não negavam edade... e se casavam.
–No seu tempo, as coisas eram bem differentes...
–Não tem comparação. Até a natureza mudou. Antigamente havia mais regularidade no clima: os Ipés, quando chegavam a se cobrirem de flores, a chuva não tardava. Hoje, os Ipés desacorçôam ter flores, e a chuva não cáe.
–Por que se chamou “anno da fumaça” o de 1833?
–Foi porque o mundo ficou todo embaçado. Houve uma fumaça que não deixava ver a distância de dois metros. Durou dias. Meu pae é que me contou isso. Esse phenomeno eu não vi. O que vi muito foi a barba valer como documento. E valia muito mais do que os documentos de hoje, sellados de cima a baixo, testemunhados e registrados nos cartorios, e, assim mesmo... na hora do “compromisso”, foge tudo: foge o homem que assignou, as testemunhas; e, o papel, às vezes, fica sem valor, só porque faltou uma palavra.
No meu tempo era assim: eu precisava – uma comparação – de 100$; escrevia um bilhete à essa pessoa que tinha o dinheiro, nestes termos: “F. manda, pelo portador, a quantia de 100$, que pagarei no dia tanto.”
Dentro do bilhete ia um pequeno pedaço da minha barba, que eu cortava na hora.
Isso era sagrado.
No dia do pagamento eu ia levar o dinheiro e trazia o pedaço da barba.
Esse tempo já passou. Quasi todos usavam barba. Eu nunca puz a navalha na cara.
–E as amizades eram firmes?
–Ah! firmeza de tudo era no meu tempo. O povo de Santa Luzia era valente mesmo: não aturava desaforos. Por qualquer coisa mettiam o porrete.
Basta dizer que o povo batia a força do governo. Na “Revolução de 42” foi bonito mesmo. Teve uma hora que o povo de Santa Luzia quasi bateu a força de Caxias.
–O senhor se lembra da Revolução de 42?
–Como não? Eu fabricava munição para as espingardas de pedra. Essas armas matavam que era um horror. E não falhavam. Era fogo ali, na certa.
Meu pae estava da côr de seu casaco (apontando para o meu paletot côr de terra) e tinha lama até nos joelhos, de tanto combater com a força legal. Eu me lembro disso como se fosse hoje. Tenho a “idéia” muito boa.
No combate decisivo, meu pae foi preso, e muitos companheiros delle fugiram. Uns cairam no rio e atravessaram a nado; outros passaram mesmo na ponte grande.
–O Partido Liberal era forte?
–Muito mais forte do que o Conservador.
Aqui em Santa Luzia, o Partido Liberal sempre bateu o Conservador. Não ganhou uma eleição.
O povo do Liberal era um povo resolvido. Na Lagôa Santa, hoje districto deste município de Rio das Velhas, uns poucos liberaes não deixaram a força do governo entrar. Nessa occasião foi baleado na perna o barão de Sabará.
–No seu tempo havia mais respeito aos homens públicos?
–Ah! respeito era no meu tempo. Quando o imperador passava, todos tiravam o chapéo. Uma vez, elle jantou ali, naquela casa (e apontou para uma casa vizinha), para embarcar num vapor, no rio das Velhas. Ia em visita ao Recolhimento Macahubas, aqui pertinho.
Tinha povo nas ruas como cascalho. Todos acompanharam d. Pedro II até à beira do rio.
–O senhor tem acompanhado essa ultima campanha em torno da successão presidencial?
–Tenho sim. É uma vergonha. Não respeitam nem a vida particular. Nunca vi tanto horror. Tanta diffamação ainda não vi.
Na Monarchia não havia disso. Por essas e outras é que sou monarchista.
–O senhor é monarchista?
–Sim, sou monarchista de coração. Só sou republicano em obediencia às leis.
Nesse momento o sr. Vicente levanta-se e vae ao seu quarto, e de lá me traz um retrato de d. Pedro II. Exaltado, exclama: “Esse é que era homem: caridade e bondade está aqui (apontando para o retrato). Educou muita gente, protegeu muito moço pobre para fazer carreira. D. Pedro era tão bom – continuou o sr. Vicente – que não quis receber os cinco mil contos que o governo provisorio lhe offereceu, dizendo que o Brasil era ainda pobre e não estava em “circumstancias” de dar. Você deve saber ainda que d. Pedro II levou um travesseiro de terra do Brasil, para deitar a cabeça, depois de morto. Isso é que é bondade. A minha opinião é que os ossos delle não deviam vir para o Brasil.
–Por que?
–Pois você me toca com o pé de sua casa, e eu ainda volto?
–Pelo que estou a ouvir, o senhor não vae bem com os republicanos...
–Não, não é isso. Com alguns, é verdade que não vou bem; mas ha outros que aprecio.
Teve palavras de elogio a alguns vultos da actualidade e do governo. “São tacos de homem”, disse.
Estranhei a expressão “tacos de homem”... Elle explicou: “Assim se diz que elles são quando se mostram fortes e decididos. Como ...”
E referiu os nomes que admira e aprecia. Seus elogios, aliás, são de valor, porque é elle um monarchista independente, caracter de velha tempera, sem desejos nem ambições presentes para elle nem para os seus.
A sua única preoccupação, actualmente, é arrancar das peças de morim que lhe chegam às mãos os retratos de d. Pedro II.
Assim é que já conseguiu uma grande collecção delles.
À cabeceira de sua cama encontra-se um desses retratos, ao lado do da imperatriz.


Dionysio SILVEIRA.
Rio das Velhas (Minas) – 8-setembro-1922.


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sábado, 30 de julho de 2011

Te vejo

Te vejo sempre
Nas manhãs
Da cidade
Acordando.
Te vejo sempre
Tão grave,
Tão triste,
Sem ao menos
Um esboço,
Um traço
De sorriso.

E as manhãs,
Mesmo radiantes
E cheias de sol,
Tendem ao cinza,
Ficam preguiçosas...

O que há de errado com os sorrisos de Minas?

Te vejo sempre
Sabendo que
Já te vi
Em algum lugar
Em algum ler
Em algum escutar
Num Cole Porter perdido
Num Gershwin desconhecido
Para mim.
Quem sabe até mais?
Eu te vi mesmo foi
Num Vinícius de Morais!

Te vejo
Sempre
Que te vejo
Pura poesia
Carícia no coração...


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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Livro de Cabeceira


O meu livro de cabeceira
É o meu travesseiro,
Onde derramo
Insônias pelo ouvido
Noiteafora...

Nele estão impressos
Todos os meus pensamentos
E assuntos

Dele eu ouço todos
Os conselhos e
Peso todas as decisões.

É ele quem dita
Tudo quanto escrevo
É ele meu confessor
Meu lenço
Meu laço com o mundo interior.

Dele me lanço a Deus quando
Agradeço peço e confesso
Que estou só
Novamente...

Optei pela solidão.
Como sempre,
Pelo caminho mais fácil...


2000.


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sábado, 23 de julho de 2011

Poesia Corporativa


DA VI LA
VI DA LA
VA LI DA
(R)
.
Analise Critique Verifique Valide
.
PROBIN
É
PROBEM
NO
PROBLEM
AT ALL
.
sem versão
sem revisão
confusão
com razão
.
PQ?PQ?PQ?PQ?PQ?PQ?PQ?PQ?
PQ1PQ2PQ3PQ4PQ5PQ6PQ7PQ8
.
Dávila World
"WILD"
Web
DávilaWeb
.
tudoquevocecolaboradorprecisasaber
.
ARQDAY + "ENTREGA" = AAAARGH!DAY
.

RACP-me Camaleoa
Adapte-me ao seu
Ne me quitte pas...
.
Integrarprobinizar
.
ISO ISO ISO ISO...
.
FIM


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sexta-feira, 22 de julho de 2011

Desterro

Um Tejo de lágrimas
Escorre em mim.
Dilúvio da alma.

Desterro.

Sozinho na Colônia
Distante,
Nem as estrelas
Já me fazem companhia:

O céu tropical de verão
Baço,
Embaça o brilho
Que outrora carreguei
Nos olhos:

Sorriso nos lábios,
Reflexo no coração braços abertos.

Agora,
Sem braços.
Amanhã talvez,
Sem coração...

“Tejo ancestral e mudo...”


Amparaste as lágrimas
Portuguesas
De vidas famílias interrompidas
Na plenitude.
Velas ao vento
Mulheres filhos
a sós.

Ampara mais esta
Gota d’água
Em oceano que és.


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quinta-feira, 21 de julho de 2011

Cento e Cinquenta. E Cinco Por Cento

Três anos se passaram,
E eu, num profundo
Mergulho n’alma
Pergunto-me:

Emirjo?
Sim, com certeza!
Mas o que sobrou
De mim? Nesse tempo todo.
Prefiro retificar a questão:
O que construí em mim
Desde então?

Sim. Amadureci.
Sou diferente cento e cinqüenta por cento
Do que era.
Evoluí cinco por cento
Do que realmente preciso...

Família e amigos
Vejo com reservas.
Olho por quem me olha,
Não perco mais tempo ou energia
Com rodeios ou pessoas
Desnecessárias.

Meu conceito de energia
Mudou.
Tudo é energia.
Não se trata de coisa
“Visível” como a energia
Elétrica, por exemplo.
Energia é o que sinto,
Quando vejo uma pessoa,
Quando lembro uma situação...
E a energia que sinto
Ao ter uma idéia nova
Agora chamo
Intuição.

Intuição não é premonição.
Eu andava errado quanto a isso.
Intuição é estímulo, ímpeto.
Mentalização...
“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce...”


E nasce mesmo!

E quanto ao amor?
Esse continua o mesmo:
Não cabe em mim,
Sai-me por cada poro.
Amor reciclado desta feita...
Sem perda do auto-respeito,
Da auto-estima.
Amando-me primeiro
Depois Ela.
Ela com “E” maiúsculo
Pois Ela merece
Todo amor do mundo.

Profissão?
É a roupa chique que vestimos
Para o baile da vida toda,
Onde dançamos, rodopiamos o salão...
Escorregamos às vezes
Trocamos de pares...
Suamos e podemos até
Trocar de roupa...

Vinganças...
Realmente não as planejo mais.
A vida sempre dá
Os trocos necessários.
Cedo ou tarde recebemos de volta
Tudo aquilo
Que praticamos
De bom,
De ruim,
De negligências,
De atentos...

E escrever?
Volta às vezes essa vontade:
Palavras ao vento,
Velas ao relento...
Mas antes agir que pronunciar.
Girar o leme da vida
E seguir em frente...


Abril  2000


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domingo, 17 de julho de 2011

Ulissipo

Dispo-me
Dissipo-me
Em Ulissipo
No país de meus ancestrais
Em Lisboa
Transformada em Capitais
De Reinos
Vices-Reinos
Portugais vários
Existentes no mundo afora
E ainda mais.

Viajo no
Espaço-Tempo do meu tempo
Num bote solto
Num Tejo revolto
Num sei se volto
A amar novamente.

Ao mar,
Minha gente!
Coragem!
Recomece cada dia
Não admita calmaria
Ou seu Porto, asseguro,
Jamais chegará.

Visto-me
Visito-me
Na Vila Rica
De Belos Horizontes
No ouro perto
Das Minas
Gerais.

Num país
Em chamas
Numa cidade
De tramas
Neste mês
Em que as semanas
Insistem em não durar
E você vem justamente
À minha vista se sentar...

E o tempo então pára...
  
Não se preocupe
Ainda não me interessa
De onde você vem
Para onde vai...

O que interessa é que,
De súbito
Alguma coisa, vinda daí
Encheu a imensidão
De válvulas átrios ventrículos
Que costumo chamar
Meu coração.

E quando isto acontece,
A minha vista,
Cansada de coisas banais,
Deixa de ser turva
E faz até mesmo curva,
Procurando te procurar
Te ver
Cada vez mais.

E mais.
 
1998


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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Medusa



Alma em pedra
Enrijecida
Ninho de cobras
Desgosto
Esta imagem
É parecida
Com as que guardo
De seu rosto.


imagem: Medusa de Caravaggio (1573-1610) Galleria degli Uffizi, Florença-Itália


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quarta-feira, 6 de julho de 2011

Afoita



A verde e afoita
Folha voa
Quando o vento a açoita,

Vaga no céu à toa
Como voa meu coração:

Voa lá co'algum receio,
Procurando sempre um meio
De manter os pés no chão.


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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Por Que Escreve?



Por que escreve?
Por que continua escrevendo?
Por que lê sempre
Os mesmos livros?
Ouve as mesmas
Músicas?
Revive fantasmas há muito
Desencarnados de sua vista?
De sua vida...

Por que pensa sempre
Nas mesmas pessoas?
É este o seu vasto mundo?
Por que insiste sempre?

Serpente que come a própria cauda...

Por que não dá a cara a tapa?
Prefere pôr “a bunda na janela pra
passarem a mão nela?”
Janela de seu castro impenetrável,
Inatingível,
Fosso em volta
Jacarés
Ponte levadiça e tudo...

Por que escreve?
Por que continua a escrever?
Talvez seja mais fácil assim...

Talvez seja mais fácil
Voltar sempre pra casa
Com seu casaco no braço
Chapéu de lado
Cabeça vazia...
d-e-s-p-r-o-g-r-a-m-a-d-o

Talvez seja mais fácil
Viver assim
Abortando sonhos natimortos
Defuntos programados.

Anda.
Levanta e se liberta.
Sai do útero, pois o parto já demora demais.

EVOLUI!



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