"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

domingo, 24 de janeiro de 2016

Sonho, razão e emoção.


     A semana tinha sido difícil. Enfrentou problemas inevitáveis que, se não existissem, deixariam a sensação de que a vida não era para ser vivida.
     Nas horas de respiro seguia namorando as fotos dela. Nos olhos grandes, no sorriso aberto, na alma fluindo pelas poses e expressões congeladas, queria e conseguia enxergar paz e leveza. Mesmo sem conhecer o tom de sua voz alimentava expectativas e as matava com suspiros logo em seguida, experiente que era nos assuntos sentimentais.
     O sábado chegou nublado e feroz. Foi metade trabalho, metade descanso.
     No fim da tarde deitou exausto e dormiu. Num sonho rápido sentiu um incômodo seguido de dor dois dedos abaixo do mamilo esquerdo. Ainda em sonho levantou-se e despiu-se da blusa de malha branca para entender o que acontecia.
     Viu que alguma coisa forçava o espaço por entre suas costelas espetando a pele de dentro para fora. Ergueu a cabeça, olhou para os lados procurando alguém que pudesse lhe explicar aquilo e também para buscar o fôlego que já ameaçava faltar.
     Um pequeno corte abriu-se no local da dor e lá de dentro saltaram dois brincos de ouro com pedra facetada bem vermelha na ponta de cada um deles. Pareciam duas pequenas rosas lançadas para a luz diretamente de seu coração.
     A dor no entanto continuava. Pelo mesmo corte brotou uma ponta metálica, de aço, que logo se revelou uma grande agulha curva, semelhante àquelas de costurar tecidos grossos. Tinha quase um palmo de circunferência e brilhava muito. Olhou novamente em volta.
     O corte fechou-se em questão de segundos e deixou uma cicatriz. Houve um grande alívio pelo fim daquilo, pela dor que já não sentia e também por algum motivo que não sabia bem explicar.
     Quando foi mostrar os objetos para o irmão que passava por perto, o sonho acabou.
     Acordou confuso, com sensações de desprendimento e liberdade. Buscou em seu passado recente uma explicação racional para o sonho mas entendeu que ela viria de um tempo não tão próximo. Sorriu então com muita vontade de ser feliz.
     Tratou de armar-se com todos os suspiros que seus pulmões pudessem emitir para  alimentar todas as expectativas que nascessem dali para frente. Decidiu que elas deveriam morrer por si próprias e de velhice preferencialmente.
     Sorriu aliviado mais uma vez e saiu para uma uma vida nova em que todo esforço valeria a pena.

    



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