"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada

"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"

"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Menina Veneno


Ela tinha a urgência e a impaciência
típicas de crianças agitadas em
véspera de Natal.

Caminhava chorando pelas ruas
qual menina imaginária e interior
lado a lado com um pai também imaginário
levando-a pelas mãos para a escola
quando preferia mil vezes ter ficado
em casa brincando em frente à TV
ou atirando coisas pela janela.

Seus olhares despertavam medo
em uns e em outros, admiração.
Era, no entanto, a paz encarnada
e infinita quando parava para respirar
entre o palavrão dito com a alma e
a risada aberta e branca que estourava
em seguida.

Parava 5 segundos.
Contemplava.
Lindificava tudo em volta dela.

Fazia tremer corações alheios.
Vasculhava olhando para cima
as janelas dos prédios acesas
na noite avançada enquanto
matava sem querer as baratas
e outras coisas nojentinhas
que insistiam em cruzar seu caminho
naquelas ruas míticas e carregadas
de passado.

Chegou até ali recusando reinos e cortiços.
Ria dos deslizes e tropicões dos outros
até perder o fôlego e a compostura
mas sem nunca perder a força,
a razão e a consciência de aprender
sempre com seus próprios tombos.

Sabia muito de si e estava
feliz com isso.
Se amava, afinal.

Amava o fruto de seu ventre
como o dia que sempre clareava
renovando tudo, inclusive
o medo e a coragem que guiavam
seus passos mais que decididos.

Era preciso passar por tudo aquilo.
Passará.
De nariz erguido.

"...um abajour cor de carne...
um lençol azul..."




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