"Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;
mas quando não desejo contar nada, faço poesia."
Manoel de Barros - Livro Sobre Nada
"O momento em que, hipoteticamente, você sente que está andando nu pela rua, expondo demais o coração, a alma e tudo o que existe lá dentro, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que, talvez, você esteja começando a acertar. "
Neil Gaiman - O Discurso "Faça Boa Arte"
"...eso es lo que siento yo en este instante fecundo..."
Violeta Parra - Volver a Los Diecisiete
terça-feira, 28 de julho de 2015
olhos de âmbar
cristalina nascente
de amores inenarráveis
óbvias poesias incomuns
impossíveis de escrever
ou descrever
por serem olhos apenas
para os olhos do mundo todo
menos para os meus
segunda-feira, 20 de julho de 2015
Baú de Afetos (ou Amor de Índio)
Abro o meu baú de sentimentos da vida inteira
escondido no sótão onde moram apenas
pensamentos bons e as lembranças
que valem a pena.
Retiro dele:
um abraço eterno de validade retroativa,
interminável encontro de sentimentos
desencontrados;
um cheiro seu, perfume vidro de bola
impregnado em meu corpo desde sempre
e volátil como um fantasma ao sol;
a sensação de ter novamente meus dedos
misturados aos cachos de seu cabelo vermelho
e molhado, de banho ou de suor;
a visão de um trecho de seu corpo,
reclinado e branco, facho de luz lua cheia
entrando pela fresta da janela semi aberta;
e finalmente um beijo do nada, inesperado e bom
no alto de minha cabeça, batizada agora
com um pouco de gloss e ternura desmedida.
Cabeça que nunca mais foi a mesma depois de
ter guardado tudo isso para sempre dentro do
meu baú de afetos.
"O destino que se cumpriu, de sentir seu calor e ser todo..."
![]() |
(Ataíde Miranda - Exalando amor entre mais de 1000 corações) |
sexta-feira, 17 de julho de 2015
Eu Via Rua da Bahia
Começa na Floresta, é verdade
O lugar das ruas-cidades
Januária com Pouso Alegre
Norte e sul de Minas
Seguindo até Liberdade.
O Conde de Santa Marinha
Por ali construiu sua casa
Que tem até camarinha
Ladeando a estrada de ferro
Pra que pudesse ver a linha.
Mais à frente o Ribeirão
Morto de poluição
Vem descendo rapidinho
E variando a direção
Corta a Praça da Estação.
O trecho plano é caldeirão
Onde o povo se amontoa
Uns fazendo, alguns à toa
Lá tem muita gente boa
Exercendo a profissão.
Carijós marca a subida
Tamóios sem tacape
Viaduto, Sulacap
Passamos pelo Parque
Com a Avenida em destaque.
O Maleta se ergueu
Bem ao lado de um museu
No setor tradicional
Boemia sem igual
Bar do Ponto, Odeon, Parc Royal.
Vem subindo a Bahia
Aparece a Academia
Com seu belo casarão
E a Igreja calma e fria
É o refúgio do cristão.
Outra vez a rua é plana
Mas nos dias de semana
Quando o tráfego embanana
Menos tensa a gente fica
Pois a vista gratifica:
A Sucata se insinua
Izabela cruza a Rua
E o edifício caprichoso
Ajudou a ser famoso
O arquiteto sinuoso.
O caminho segue em frente
Surge o Minas de repente
A fachada que ostenta
A parábola cinzenta
É oásis, quando esquenta.
E a Bahia vai-se embora...
Já se avista sem demora
Verde rua Carangola
E a avenida do Contorno
Que vira, gira, enrola...
(1994)
.
Amor de Lua
Teu desfile inesperado por ruas virtuais
Bem debaixo de meus olhos viciados
Em noite intensa lua cheia
Faz minguarem as minhas desculpas esfarrapadas
Faz nova a minha esperança de te encontrar na santa paz
Faz crescente o meu desejo de estar junto
De te ver sempre de perto para sentir
Novamente o teu perfume de céu estrelado
E receber na boca teu beijo meteórico afeto
"As coisas ditas só uma vez morrem inéditas"
N.Rodrigues
.
quarta-feira, 15 de julho de 2015
Hashtag Qualquer Coisa
Ele escolheu a caneta errada
Para escrever naquele dia:
Tinha a ponta fina e estava quase sem tinta.
Ainda assim encheu-se de ânimo,
Armou-se com a coragem de sempre,
Insuflou nos pulmões descansados todo
O ar da sala, da casa e do bairro
Onde se encontrava.
Como parte da tática infalível para
Antecipar seus muitos descaminhos
Já foi dando um tiro no próprio pé.
Guardou sua língua de trapo na caixinha
De marchetaria espanhola como peça que era
Daquele jogo de xadrez ainda em curso.
Fez chover granizo do céu de sua boca,
Assoprou para longe a bruma que cobria
Suas pupilas dilatadas pelo uso do colírio errado.
Limpou, degrau por degrau na escadaria da Penha,
A lama grudada nas solas das botinas de couro
Que calçavam seu corazon espinado.
"Partiu para o abraço
Numa alegria incontida."
.
sábado, 11 de julho de 2015
A Ilha Vista de Fora da Ilha
Subi a serra hoje para respirar,
Observar Lanzarote por outro ângulo,
Ver de perto as estrelas e, quem sabe
Tocá-las com minhas próprias mãos.
Andei descalço pela avenida interminável reta
Perdendo a conta das vezes em que os tampos dos dedos
Se foram em meus tropeços por suas esquinas graníticas.
Pisei tapetes de flores dos Ipês
Espalhadas pelas calçadas e beiras de asfalto
Atenuando a rush hour e o meu coração acelerado.
Desisti de contar pelo caminho
Os inúmeros anúncios de vende-se ou aluga-se
Estampados nas janelas de casas, prédios, lojas
Caras, bocas e corações transeuntes em plena crise.
Cheguei ao topo e lá do alto
Vi a noite caindo
A cidade se acendendo
As pessoas se emocionando
E o firmamento se iluminando.
Toquei finalmente o céu com as mãos
Colhi buquê de estrelas
E desci com ele para dar à moça
Que vive com os pés no chão
E não acredita mais em sonho.
quinta-feira, 9 de julho de 2015
Transdelírio Distópico
Acordo de um sonho doido meio noir
Em que via apenas seus olhos
Iluminados e em faixa
Refletidos no espelho retrovisor
Do carro que você guiava
Pela madrugada adentro
Numa época que nunca vivemos.
Sentia uma paz improvável
E também o peso de seu corpo
Deitado sobre o meu retesado,
Solto no éter, no álcool e no céu de sua boca
Que desferia-me beijos infinitos e
Dizia-me coisas ao pé do ouvido
Em idioma incompreensível,
Em língua estrangeira ou alienígena
Da qual só reconhecia duas palavras:
Amor e coração.
Adormeço de novo.
Continuo vendo seus olhos e as reações
De sempre pelo retrovisor
De sonho, beijo e duas palavras mais.
E com seu corpo ainda sobre o meu,
Sem pesar.
.
segunda-feira, 6 de julho de 2015
Blessed
Então, na lanchonete ela fala:
"...papai, olha que lindo! O guaraná parece o sol derretido..."
Mais emblemático do que sentir sua mão
Ficar maior dentro da minha
A cada visita
A cada reencontro
A cada passeio pela cidade
Mais prazeroso do que ver em seus olhos a pureza
Das pequenas grandes alegrias infantis
Relatadas sempre em saraivada de palavras a mil por hora
Mais desafiador do que sentir bater a "paura"
De suas incertezas de criança madura antes do tempo
E procurar a palavra certa para o conforto que a hora pede
Mais surpreendente do que ouvir
Suas opiniões cada vez mais fortes e embasadas
Durante nossas intermináveis conversas na Praça da Liberdade
É observar, com imensa alegria
Nascer aí dentro a poesia
Natural e cotidianamente
Ao longo de nossas muitas falas
Em nossos muitos momentos juntos
Como se já não bastasse reconhecer em você, minha filha,
O maior de todos os meus poemas...
E para o boa noite, ela disse baixinho:
''...papai, o seu colo é muito bom mas o travesseiro é feito de nuvem..."
Deitou-se de lado na cama e dormiu.
Ontem, 04/08/15, voltando do centro da cidade a pé e conversando com Joana pelo telefone enquanto subia a rua de casa ela me disse:
"...papai, estou notando que você está com voz de homem suado..."
(em 29/07/15 acrescento o seguinte artigo: http://www.contioutra.com/a-educacao-do-ser-poetico-por-carlos-drummond-de-andrade/)
quinta-feira, 2 de julho de 2015
Mundo das Coisas
Uma orquestra de cordas
E alguma percussão
Tocando em loop repertório
De gênios esquecidos.
Uma pequena flor amarela
Que insiste em brotar
No meio da aridez fértil
De una calle empedrada
E a alma, como saveiro branco
Solto à sorte na maré cheia.
Mil beijos lançados ao vento,
Um sinal de aceitação,
Paz e suavidade em desejo
Deixados lá fora ao pé do mistério
E banhados pela luz da lua que reina
Redonda e absoluta na madrugada fria.
No fundo no fundo, só consigo mesmo pensar em uma coisa:
Depois que morrer, vou sentir uma falta danada de ouvir música boa.
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