A cabeça dele tornara-se pequena para tantos pensamentos diferentes, destoantes, dissonantes, todos ao mesmo tempo. Voltava para casa à noite, chacoalhando no ônibus cheio, testa encostada no vidro da janela, torcendo para que não aparecesse ninguém que o obrigasse a se levantar e a ceder o assento, fosse por gentileza ou por obrigação. Para tanto olhava fixamente a paisagem quase negra lá fora.
Subindo Amazonas viu a silhueta pálida do Ed. Levy, com alguém fumando à porta.
Ajeitou seu corpo no assento plástico e percebeu reflexos nos vidros do veículo que lhe trouxeram imediatamente à lembrança o par de olhos que mais lhe marcara, a ponto de levá-los para sempre tatuados na alma. Suspirou fundo e resignado ao mesmo tempo em que o ônibus virava bruscamente em Tamoios e as pessoas levantavam-se para descer no próximo ponto.
Ruminou por alguns segundos aquele passado até que a bateria de ferros e metais do coletivo vazio misturou-se com o ruído de seus pensamentos, rangendo em uníssono infernal: odisparatedomuronogramadodaesplanadaasaudadedanadaquesentiadafilhaquemoravalongeeaquemnãoviaháummês
otrabalhootrabalhootrabalhootrabalhoasituaçãodelicadanacasadeseuspaisprecisavaurgenteviversuavidaerecomeçar
voltaraplanejarseusirmãosseusirmãosogalonalibertadoresocheirodosuordamulheramadaasdoresabdominaisintensas
nãovaitergolpenãovaitercopanãovaiterpaz...
Da cidade, que passava correndo lá fora, não sabia mais onde começava o grafitti e onde terminava o pixo do viaduto para sempre profanado. Com a mente ainda longe e ruidosa deu de ombros para tudo aquilo quando entraram por Sapucaí.
Acionou a campainha.
Faltava pouco para chegar ao seu destino.
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