A rotina: acordar cedo-banho quente-mesa da sala-café-trabalho-almoço-trabalho-talvez o futebol no rádio-trabalho-café-trabalho-café-trabalho, não seria novidade e não haveria tempo para nada mais ou para ninguém. Não queria saber se o dia estaria nublado, ensolarado, frio, quente ou chuvoso...sabia apenas que aquela bendita escola tinha que ficar pronta em poucas horas.
E assim passou o dia.
Pelas 10 e tanto percebe a filha de quase quatro anos chegar sonolenta, com o mesmo discurso de quase toda noite engatilhado na ponta da língua:
"Papai, conta uma estorinha?"
Mas, ao reparar no arsenal colorido de lápis, canetas e papéis espalhados pela mesa, muda para um esfuziante e animado:
"Papai! posso te ajudar a trabalhar?"
Ele, sem tirar os olhos do que fazia respondeu seco:
"Não, minha filha...O papai precisa terminar este trabalho. Prometo que amanhã você me ajuda".
"MAMÃÃÃE..." ela gritou, "o papai não quer deixar eu trabalhar com ele..."
A palavra final veio de um dos quartos da casa, em voz abafada por cobertores, travesseiros e sono:
"Deixa...assim ela se acalma e vai dormir logo...boa noite pra vocês..."
Então deixou.
Sem tirar os olhos do que fazia, disponibilizou papel, lápis, canetas e até um pedaço da mesa. Em poucos minutos escutou:
"Papai, acabei. Vou dormir..."
Ganhou um beijo no rosto e o sossego que tanto queria.
"Boa noite filha".
Já de madrugada, quando finalmente deixou de ser siamês com o trabalho e já recolhia todo o material espalhado pela mesa, parou atônito com a "obra" da filha bem debaixo de seus olhos.
Ela havia absorvido, em cinco minutos, um esforço seu de dias. Expôs à sua maneira, com linhas irregulares mas francas e honestas o que havia observado na confusão daquela mesa de jantar transformada em home-office dominical.
Bateu um regret instantâneo: por que diabos não desgrudou os olhos do que fazia por meros 30 segundos na hora em que aquele desenho ficara pronto?
Agora estava tarde demais para o amasso, para o cheiro no cangote e para milhares de outras coisas que um pai orgulhoso faria. Contentou-se com visita rápida ao quarto para um beijo na testa de quem fora tão brilhante e que já ia distante no mundo dos sonhos.
Deitou-se contente e realizado, pensando em qual seria o próximo "trabalho" que fariam juntos, a quatro mãos.
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Essa crianca vai longe, papai... Obseve... :)
ResponderExcluirDescontando a corujice, também acho...
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